Gerardo Mello Mourão
Era uma vez um país
Era uma vez um país
onde o fruto alastra o chão
vastos campos onde os touros
nédios urram sobranceiros
entre os bandos de carneiros
pelas soltas dos Mourões:
"Não te aproximes daqui: descalça as alpercatas, porque o logar onde te encontras é
uma terra sagrada"
eles fundaram a terra sagrada e sobre ela
num círculo do chão foi abatida
a grande cajazeira com seus frutos de ouro
e o capitão mandou matar os gaviões
e à glória da cantaria da pedra de ângulo
das paredes de pedra
foram colhidos os tamarindos e derrubadas as jacas e abatidas as jaqueiras
e imolados os animais perigosos
e queimados à bala os forasteiros.
Bebam à minha saúde — ordenou o Capitão
quando assentou a cumieira da casa —
e entre os copos de aguardente parecia
um deus embriagado e cosmogônico
a criar seu mundo
no país dos Mourões
in illo tempore.
Venho desse país e desse tempo
e em seu chão e em seu dia o Capitão — o sabedor da guerra —
furldou meus olhos e meus pés
de sabedor do amor
e sabedor da morte.
Aquela que ainda não pariu — comece a parir;
aquele que ainda não matou — comece a matar:
e o país dos Mourões surgiu no fim das águas
surgiu do sangue de nascer e do sangue de morrer
in illo tempore
no tempo de parir e de matar
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