Gerardo Mello Mourão
Da balança das águas venho de joelhos
Da balança das águas venho de joelhos
— aeroporto de Caracas —
ego sacerdos — vou me preparando para os ritos:
boa noite, Bolivar,
boa noite, Simón, — Simón Rodriguez
brincando de roda entre as crianças
e duty free e Hilton e Tropical Hotel — e vou
me preparando para
a tática dos ritos o luxo das rubricas litúrgicas
pois à volta das águas
dançam em roda as ruas degoladas e algumas pessoas
constroem o incidente da viagem — indo ou vindo
ou não seguindo mais — e a cabeça
de Balboa busca debalde
talvez os Hiperbóreos — decerto
uma terra e um mar e a terra
e o mar já não são mais entre o canal e a selva
do que o gosto do sal em sua língua
ao sol do Panamá:
resta o gosto do sal na boca
de Balboa e Malpartida e os outros
e vós sois pescadores de peixe e terras e homens
o sal da terra
quodsi sal evanuerit in quo salietur?
Por isso o olfato o paladar os olhos
e um aroma e um sabor e um rastro:
e é dado o signo
e habitamos o semáforo — por isso agora
boa noite, Guatemala — e ali
poderiam pescar-me o coração no rio
de teus cabelos, Antonieta Ovalle, o coração
neste bosque
neste bosque moram terras
mora a terra que roubou meu coração
e repito as pessoas e os lugares que encontro
e aprendi uns seios verdes em Honduras
e ao sol de Dirianbo amadureciam sobre a Nicarágua
as ancas magníficas — pois falo da viagem,
suas pousadas, o itinerário
pedestre
eqüestre
sigo os sinais do trânsito — passeio
passeia Pilar Morelos seu passeio de poldra
pela Avenida Juarez
e alí emprenharei a neta
de Hernán Cortez e a bisneta
de Cuauhtémoc em um leito de rosas
e sou — ego poeta
o guia do turismo o trotador do mundo
no avião da Braniff onde Doris
e no aeroporto de San Antonio — Texas
e em Dallas, Texas, os soldados
negros e ruivos
vão me encontrar erecto e brônzeo —
pois preparo a estratégia da morte
as manobras da vida
o estratagema da beleza
os ritos de Stepterion
— "Na bagagem? "
um coração embrulhado
numa carta de amor
e dois braços de abraçar
e dois lábios de beijar
e Abdias entoado
à canela e ao cravo
e às margaridas de Iemanjá do Nascimento.
E agora
a serpente no ninho de meus olhos
já sou eu mesmo a minha própria bússola
meu próprio ardil
e de tua rosa
brota o vento por onde
chega o chegador à laranja de ouro — chega
ao bote da serpente à seta desferida
chega ao bosque ao mármore
à mão da tecelã e ao fio e à flauta
e ao silêncio e ao canto
e ao beija-flor e ao assobio
e à salamandra e à estrela e ao encontro
da flecha e da serpente e à luz
à luz
Eleu
Eleu
Eleu
theria
Apó
Apol
Apolon
Fototrephos Fotophagos Fotopaidos Febo Apolo
puxam-te o carro de fogo
os capricórnios de fogo
e venho nele ao teu banquete
onde as nove meninas
em conchas de labaredas
servem lagostas de fogo
e verdes folhas de flamas
ego poeta — o diábolos sonoro
conservado em chamas — sou
minha própria fronteira
e tu, amor
a norte a sul
tu nascente e poente
nas lindes crepitantes:
e diz o portulano e ladro sua escrita
pois cartógrafo sou desde o país do Ceará e Mel Redondo
limita-se Ipueiras ao norte pelas
cabras monteses e os montes da Aquitânia
Delfos ao sul por Villaguay e Buenos Aires
e a leste e oeste a serra dos Mourões serranos o Amazonas
o oráculo a nordeste e segue
a linha da Mantiqueira por
Congonhas do Campo e Conceição,
Conceição, José, do Mato Dentro — a sudoeste
as coxas de Afrodite e o mar da Jônia
e os limites por baixo são o chão de Eleusis
e os limites por cima o Pentestrelo
do Cruzeiro do Sul e os Hiperbóreos
e noutras pétalas da rosa-dos-ventos
o mar de La Serena o mar
das Alagoas o mar
da Jônia as ondas
dos cabelos de Artemis
e o ananás e a romã e o buriti a noroeste:
pois a sopro de flauta fui riscando as divisas
num mapa de safiras e limões
e cravos macerados ao sereno
da madrugada de um canto
e viajar viajando
o lombo de teus chãos e tuas águas
é meu destino
chegar chegando:
nome —
profissão —
destino —
o destino —
da cifra de meu código e meus semáforos
oriundo.
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