Gerardo Mello Mourão


Visita o forasteiro sua própria beleza e traz

Visita o forasteiro sua própria beleza e traz o coração na mão enrolado no mapa de sua própria pátria — "Moi aussi, Monsieur, je suis un étranger e meus olhos pranteiam minha beleza estranha aos circunstantes — pois estranho a mim mesmo só à minha beleza não sou estranho e só meu coração suporta a delícia cruel da inventada beleza" Volvia a cabeça e assumia a garça e o lírio e flutuavam sobre os ombros à soberba das pupilas as crinas das éguas alazãs. A noite se busca a si mesma nas calçadas de Chelsea da haste de sua galáxia sobre o casaco de pele pende la cansada paloma de su mano: não sabe de seu ninho e o ninho é que estremece à noite em busca do seu pássaro: anoiteceu em Chelsea boa noite, Melpômene Mourão Estava nu entre as montanhas sagradas e dizia: — "não governo meu nome dado a Melpômene e às outras tenho de meu o chão que piso a mulher que escolhi e os filhos que gerei: pois boa noite, Apolo, toma a minha mulher, dorme com ela viola em tua cama, Calíope, meus filhos". Quer a beleza o sacrifício da beleza e o amor o sacrifício do amor pois eu te queimo a rosa a bem-amada os pêssegos do outono e a rosa e a bem-amada e os pêssegos do outono serão aroma a tuas narinas — por isso — do hálito de teus pulmões venho viver. E lembro-me também das outras oferendas vinte amantes em chamas sobre teu altar — "Moi — j'ai brûlé mon sexe et je crie sur les flammes la douleur de ma beauté" e dessa dor se vive e dessa dor se morre Salamandra — chamei e fulgurou a boca à labareda de seus olhos Anoiteceu em Chelsea e sobre seus altares na pira crepitavam os bagos de seu sexo — "Moi, j'ai fait ce que fait un dieu" e eu mesmo sou meu próprio sacrifício e minha adoração" Anoiteceu em Chelsea o adorado adorava o adorador e às vezes crea a creatura sua creação — "Je suis l'esclave et le maitre de mon corps e canto sobre os querubins la fleur de ma beauté" — "Não te lembras? um dia a serpente andava erecta à beira dos riachos: contempla o meu andar quando anoitece em Chelsea — eu desejei meu corpo e eu mesmo ergui da relva as ancas altas e o redondo seio" E amante de si mesma dormia em seu jasmim sua beleza e em sua beleza sua solidão — "E sou Ginandramor Ginandramante a minha própria companhia Ginandramada" Os deuses — só os deuses não estão sós e os que caminham por seu país aprendem sua língua Boa noite, Apolo, anoitece em Chelsea e uma asa de pássaro ou de anjo me roça a fronte e tremo ao perigo de seu rosto — e dele nunca mais me despeçam estes olhos que a terra, a tua terra, há de nutrir. Movia as largas pálpebras e da cinza de suas pupilas se acendiam as lâmpadas douradas sobre Greenwich Village Coming from Ohio — "Are you going to be here for a couple of minutes? — "For ever, Johnny, pela eternidade". Anoitece em Chelsea from Chelsea to Eleusis, Mister Corso: — "Who are you who spend the day walking in this lobby" — eu sou o gastador do dia e o ecônomo da noite não caminho o hall ensaio a grande marcha caminho o dia rumo à noite e a noite rumo ao dia quando escapa Mona Lisa de seu quadro e sorri na adolescência milenária desse rosto chinês e os poetas, Ho pelos arrozais pelo ria amarelo pelo rio azul pelas serras de África conduzem a cruzada e a sagrada lira marca o ritmo das grandes marchas — entoando os teus peãs, Apolo, pois os ventos de Uganda trazem tua voz. Essa trabalha as ancas sob a saia de veludo vermelho essa trabalha as unhas escarlates nas sandálias de ouro essa o umbigo no strip-tease do Club 82 e Johnny no Chelsea trabalha o som: — "este é um poeta, darling, veio ouvir minha guitarra e contemplar teus seios" — e ouvir uma guitarra e contemplar teus seios é minha profissão e consumo o crepúsculo a aurora os clitóris rosados em seu ninho e o rouxinol e o grito do amor — e nasce um seio de Mo na li sa Laisa coming from Ohio to Delphos — Hellas — clamo e amo e o meu cl amor me tu mul tua Benditos os que beijam teu seio e intumescem teu seio e apojam teu seio, Eleutheria, onde as criaturas mamam o leite de Apolo Lykio. Vejo a lua do Potomac e banha-se no Hudson e à neblina verde de seus olhos Laisa agoniza o sexo e a garganta de um pássaro se forma desmancha-se em abelhas tu — mel — tuas — um tumulto de relvas orvalhadas. Pois vou a Port-au-Prince, Tuna, Port-au-Prince Porto Rico Porto Belo Porto Fino Porto Alegre alegre por tua noite e preciso de muitos lugares e de muitas pessoas preciso de cerejas e da cereja um mel e desse mel um fio para o caminho de labirintos pelas Califórnias de ouro e ali o Macho da Sibila — Alberto — entre Los Angeles Las Vegas pastoreia os anjos nas floridas veigas — caminhos dos Hyperbóreos. Pois de Kennedy Airport TWA — "are you a jew, sir? — Do you speak yddish"? "are you from India or Pakistan? Árabe ou grego? E eu sou das terras do Ceará Grande e Mel Redondo Ipueiras Itabuna e Tanque d'Arca, Jarmelino, e não falo yddish falo a fala falo a flauta falo a língua das abelhas sobre as cerejas e leio Léa e lêem- me los angeles e Lisa Laisa Mon a Lisa pois vou a Porto Belo Porto Fino e Porto Príncipe onde príncipe aguardo o reino e a núpcia — e onde a princesa aprende a abrir-me a flor das coxas lancinantes e a pitanga madura e o pintassilgo me ensinam o que sei: dormir contigo acordar contigo — bom dia boa noite Eleutheria.


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