Gerardo Mello Mourão


Na noite de Connecticut

Na noite de Connecticut lambe a língua nos lábios a memória de tua boca: não profeta não sou, Amós, nem fiho de profeta mas pastor e cultivador de canas e sicômoros — e Apolo me tirou de detrás dos rebanhos e comecei a andar cantando os anjos saberão dos pés desse andarilho pelas cidades sonolentas — e uma vez o Danúbio anoiteceu teus olhos em Belgrado e uma vez o Pacífico madrugou-te a pupila no país cerúleo de Viña del Mar — e outra vez à pálpebra do crepúsculo fulguraste e fugiste no jardim de Manágua — e na matilha das cadelas douradas tuas ancas surgiam e sumiam ao caçador da primavera essa tarde em Veneza — e em Paris eras a aurora persa a lima verde entre os pendões de cana entre a baunilha em flor do boulevard de salsas e alecrins por Saint Michel e São Miguel dos Campos talvez fronteira dos Hyperbóreos — pois senhor dos coitos menciono sempre os portos, as estações, a rota dos Hyperbóreos. Elas Hellas — Hélas! a adolescência prístina imortal no coração da morte: quando a máscara murcha a flor do rosto atende à primavera na esmeralda vegetal dos olhos et j'ai vu quelquefois, Jean Arthur, às vezes possuí, Francisco o que o macho pensou possuir e perder: pois por elas Hellas adelgaçada avena sou soprado e sopram nas jeiras desse tálamo a semente e do leite e do mel do vinho mosto: E nascem doces musas ébrias Hesper — — ma — ia — ieu ti ka Eleu theria Peregrina de ti mesma por ti mesma te peregrinas e o país viaja na planta de teu pé: flor desta planta pa — ís por — tátil ao tato a — corda dessa viola tua nua sobre os calcanhares uma noite em Copenhagen um dia em Belo Horizonte aquela tarde em Maceió e alguma vez a rosa oblíqua — de que Kamakuras talvez te disfarçaras celestial cereja às amêndoas e ao lótus: a quem te viu sabes voltar — pois de onde não vir ias? caíram uma vez dos laranjais as luas sobre teus olhos negra e formosa ao sul do Senegal por onde Arme Aribô e sobre os lençóis brancos a beleza noturna de seu corpo — e entre as virilhas ondul ando andam e ando as finas ser pentes em pé — filtro venenoso entre os pentelhos o convite a essa maçã de amor e morre à concha ébria e ali o amor é morte e a morte o estratagema da ressurreição: aparecida um dia e para sempre me habitas a pupila ouvi teu nome e desde então serias moradora de meus ouvidos e por isso — ocupado contigo muitas outras coisas não sei: mas aprendi a Musa e ensino a Musa — e ela no país de Apolo onde sou corógrafo e recito aos meninos a geografia de sua botânica sua fauna de pássaros e os peixes de seus golfos e seus pótamos a orografla de seus Himetos e o monte melodioso onde Melpômene e as outras consultam a estrela e os ventos boreais para compor a sílaba Me lo Me los melo dias e noites cantam amarradas ao mourão de minha herdade as nove novilhas em flor ao touro adúltero e um casto Dionísios cada noite sabe o sabor do lírio em que se filtra a doce castidade em cada corpo: boa noite, Melpômene Mourão e em teus veludos adormeça fiel a sábia flecha boa noite Eleu theria


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