Gerardo Mello Mourão


Pois José Cupertino cantava na praça

Pois José Cupertino cantava na praça de São Luís do Maranhão já não entravam os deuses em seu negro corpo — e as mãos imploravam sobre a cabeça branca: — "um Deus é um sopro" — e José Cupertino soprava na praça à tarde de São Luís — "sem o sopro eu sou um pneu vazio já não me ouvem os deuses não me querem" e requebrava e chorava e cantava: — "Eu trepei na ponte a ponte quebrou sou moço bonito desembargador" — e se embargava a voz — e os deuses não olhavam sua beleza nas calçadas de São Luís: — "sou moço bonito desembargador" — Canta o concrís canta a gamarra canta o galo-de-campina ao céu de Campina Grande — e ali bêbada e bela pereceu Clarice os cabelos de ouro numa poça de sangue: resta uma cruz na estrada e esse aroma de jasmins e maracujá na tarde de Campina Grande e a tua lira, Apolo, resta onde canto o aroma a flor a morte ensangüentada e adorno a morte com flores e seus frutos o jambo o dáctilo o espondeu e os verdes anapestos Pois vejo o anjo a verbena o verso o verbo transitivo florescido nas vozes e nos tempos e nos modos finitos e infinitos — e Apolo ensina a fonte de jorrar o infinitivo dos intransitivos. O amante de si mesmo beija as águas — mas Apolo ergue das ondas deusas calipígias e onde era espuma onde água verde brotam em suas mãos as cabeças castanhas e as avelãs as tuas avelãs amada de cintura fina e de redondo seio. Nascido em minhas mãos um nome busco para teu seio — Mirabelos — um nome-próprio para a touceira de madressilvas de tuas coxas — Delta-Delphulvia Aqui, Apolo, venho fundar o nome das partes de seu corpo onde fundaste teu tempo e teu país e aqui em tua data e em teu sítio queimado o calendário se lerão nas cinzas minha data e meu solo pois sou datado e minha data é a data da Sibila dos profetas hebreus no chão do Apocalipse, Patmos, entranhas de Capricórnio — e ali arúspice de si mesmo o poeta se lê — e a decifrada vítima imola o imolador e entre os outros deuses ocupa o seu lugar: pois somos, Dionísios, Apolo, somos as ovelhas de Deus e o deus que tange os cordeiros nos montes da Tessália: e em mar e, monte e em ribeira e rio vou profetizando a profecia pois inventei o verbo depoente e seu modo e seu tempo e é este o depoimento: profissão — Inventor da palavra — Edi — a voz ativa a voz passiva reflexa perifrástica Afrodite germ herm afro ditirambo A flor a profecia do fruto na corola aos ventos inclementes despetalada — Pois posso a aurora e a noite arconte epônimo da lua e das estrelas Posso o azul posso o verde posso as vogais e as consoantes a cana-rosa o cabrito montês o touro a égua a ipecacuanha o cravo a peroba a canela a cascavel o acônito: — mas quem pode deter pupila e pálpebra? pois meus olhos não posso e neles vai crescendo a morte sua planta florescido no talhe de meus filhos já altos entre outros rapazes. Mas posso a flor e a profecia do fruto na corola — Scardanelli — pois tenho, Apolo, o prumo da flor sobre seu fruto. e José Cupertino cantava na praça de São Luís do Maranhão e às vezes por sua boca por seus ouvidos por seus poros pelos buracos de seu corpo entrava um deus em seu corpo — e ali aprendi sua visita nas entranhas e o possesso possui a possessão de um deus e à chama de sua língua na boca acesa arde o clarão de teu nome e em Lambda e Léa digo amor nos lábios crepitares Venho de um deus e só do que me esqueci me vou lembrando e só o que perdi procuro e acho na touceira de relva e de cidreira cidra romã respondem de teu corpo aromas formas formaromas assim chamados: pois comedor de deuses Abol Apfel Apple Apolón e um dia, Apolo, os deuses serão fêmeas e na praça de São Luís do Maranhão o sopro e o sumo e a polpa fruta à fruta o coração se nutra da cidra e da romã: pois Apfel Apple Apolo e Apoléa — seio por seio.


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