Gerardo Mello Mourão


Naquela tarde entre o cognac e o bourbon de New

Naquela tarde entre o cognac e o bourbon de New Orleans conversávamos sobre Francisco ancorado — doce e inquieto bergantim ancorado em seu bar de São Paulo e de repente o ar de seus pulmões arrendondou as velas e nas nuvens pelas nuvens aos olhos de Menelaus Gordon derelicto e Helena Finamore — enfim o amor — aportou em New Orleans com suas velas pandas de brisas fervorosas — Francisco Francisco Luís de Almeida Salles: Alexandre Mourão adornava o mar com seus clavinotes ela com seus cabelos ao vento e seus seios dourados sobre as águas verdes: — Anne — je disais — Anne de Lille — e os marinheiros à estrela perigosa de seus olhos ensinavam a rota à nau de Helena e o caminho do amor é o caminho da morte e o caminho da morte é o caminho da vida e o caminho da vida é teu caminho pois, quem provou de tua boca e não morreu? e eu provei de tua boca e vivo dela vivo da morte e Helena nutre de sua vida sua morte e a vida é a semente da morte — e a morte é a flor da vida: foge Helena Finamore de New Orleans rumo à constelação das rosas e ao riso matinal de Anne de Lille e suas tangerinas verdes — enquanto pasta Menelaus a própria lágrima e a própria língua e esta é a derelição de Menelaus Gordon não poder a morte pois não pode a vida e Helena pode o mar e pode Anne de Lille abrir a rosa da boca lancinada à flecha de Eros e Francisco Luís pode a perpétua partida no perpétuo porto pois assim te encontramos, Apolo, acenando sempre e não partindo nunca e não chegando nunca e em teu rastro é a partitura de teu tom e ao tom de Apolo venho cantando e quanto canto — canto e começo a morrer — e desde longe venho cantando e desde longe começando a morrer e da incessante morte vai crescendo o caule da vida imarcessível — e aqui a flor do anacoluto promete às folhas verdes a maçã de teu rosto: guardo na boca o fruto desse riso e o sumo dessa lágrima : — o adolescente mordeu teu nome um dia e é dele nestes lábios maduros maduro o canto à tua clave clave de lua e lambda e Léa e si lá sol fá mi ré dó redor dos arredores do crepúsculo véspera de Vênus — e teu corpo irrompe desde um monte de pétalas — pois assim te quero — mera rosa — na véspera do amor e és tu a noite e és tu a madrugada e o canto do galo e o meio-dia e são a noite a madrugada o canto do galo e o meio-dia e as vésperas o tempo de meu canto e minha duração: por isso ensino às ondas e às serras do país o tom de Apolo — e os vales ecoantes repetem para sempre a melodia e um dia há de voltar a clave de teu nome à minha sepultura — e a flor na flor de minha boca há de achar sua terra: — sempreviva — dirão os ventos da província pois não morrem, Apolo, os que aprenderam a lira, e a noite e a madrugada e as vésperas vão florescendo no eterno calendário onde sucedem as três cordas da lira de teu nome entre as moiras Léa entre as musas Léa entre os anjos Léa entre Anne de Lille e Helena Finamore enfim o amor exala o testamento: e vivo herdei a morte e vou da morte herdar a vida. Pois conheci Menelaus Gordon e Paris Alexander e Francisco Luís e Alexandre Mourão e fui colhendo os inventários e os botins uma palmeira em Delos uma palavra em Delphos e uma noite contigo — e estas foram minhas heranças, Apolo, e uma viola serrana e dela guardo a serenata e a serra e dessa noite um beijo: pois herdeiro de um beijo beijo a flor cata casta cata Léa pende dos lábios teu espólio, Apolo, a sesmaria que me deste — suas eiras e jeiras as ribeiras verdes sob o céu a cabra montês e os cavalos ruivos e as éguas ruivas: pois entre os cavalos ruivos e as éguas ruivas e as ribeiras verdes passeio a peripécia da tristeza peri patética e a cada passo invento a morte e sou minha própria invenção e inventei este deus e este país, ao inventar, Apolo, o rastro de teus pés no chão de Orfeu — o rastro de tua flecha pelo céu e o rastro de tua voz nos presságios da noite no bóreas entre as folhas na sonora fonte: e quando mais ninguém cantarei eu ainda os sagrados eólios ao ouvido da ninfa e à virilha da fêmea Pois bem que estremeces, amore mio, quando canta o galo encarnado à madrugada de tuas coxas: venho do sono — e uma vez montei de um salto a égua malhada e despertei retinindo as esporas no barro da alpendrada reiúna: Helena se apeara da garupa e os touros e os vaqueiros e os garrotes dilatavam as narinas e urravam e escarvavam o chão e as orquídeas abriam as vaginas lascivas e os lábios abertos e as narinas tersas esse cheiro de cio ao vento sertanejo eras tu que chegavas pois sempre chegas quando chega o canto pois sempre chegas quando chega o amor pois sempre chegas quando chega Apolo Eleu theria.


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