Gerardo Mello Mourão


Pange língua gloriosi

Pange língua gloriosi corporis mysterium: Bernardo de Clairvaux atravessou os Alpes vinha de Roma e trazia uma relíquia — o dente de São Cesário pela Ibiapaba pela Mantiqueira os Pirineus e os Kárpatos por Lisboa e Padova onde a língua de Antônio — trago por nova York Buenos Aires e São Paulo uma relíquia e calem-se os pregões da Bolsa trago a língua de Apolo a língua viva e pange a língua do corpo glorioso o oráculo celeste. Desce a tarde sobre os ananazes e as mangabas verdes e os cajus vermelhos em Feira de Santana: consulto a bússola onde o Norte da Musa — ali é o pomar onde colher a viagem madura e à sombra das mangueiras entre as folhas morena Antonieta Mello fundava a dor sagrada e a flor do puro coração e canto agora aos céus de Mecejana seu sorriso triste sua lágrima seu lírio imarcessível enquanto desçam as tardes sobre os ananazes: abre, menina, o coração na serena madrugada, se o coração não me abrires eu não sou eu nem sou nada: pois junto das de coração alanceado eu sou eu sou eu e amor e dor, Apolo, e as amorosas e as dolorosas sabem meu nome e a porta de minha casa: pois canto agora Antonieta Mello e um dia desta partitura para flauta doce em tua língua, Apolo, hão de dizer que entre Alecrim e as Quintas Antonieta Mello teve um cantor Pange língua — pois canto no caminho as coisas e as pessoas do caminho do país dos Mourões a teu país, Apolo, e teu país é meu caminho — e meu caminho é minha residência — pois sobre meus pés caminho e ao longo de minha sombra — e minha sombra responde ao sol e à lua seu mapa essencial: não viajo de mim — nesta fronteira Ich bin der Markgraf e o margrave marca sua fronteira e sua fronteira é sua sombra e habito minha sombra e sou cartógrafo de seu mapa sob a planta dos pés limito minha nação pois natural de praça e rua de monte e val a pura sombra dá deferência — deferimento ao mero corpo: ali sou eu onde o luar defira à noite minha memória pela raiz de minha sombra onde o resíduo de meus dias As viagens viajam a viagem e além não vou de minha sombra sou nela imóvel — eppur si muove — e às vezes passa-mo Apoio as rédeas de seu carro de fogo E pelo lago do céu pisando estrelas até a lapa do mundo galopavam os cascos faiscantes: um dia sobre as areias de Paranaguá caminhava uma estrela: para tua cabeça aluguei uma estrela para tua cabeça noite dia o diadema de um beijo em teus cabelos fulgurei — e o cometa coruscante na omoplata banhou o espinhaço moreno no céu curvo e profundo fundiu-se e resta a glória moribunda de sua coma desde até e um dia me disseste: "faz um milagre" escrevia com o dedo sobre a página "faz um milagre" — pedias escrevia com o dedo sobre a areia a rima de seu nome — "faz um milagre" e o dedo incandescente ejaculava cometas à rima de seu nome In firmamento coeli rorabam coeli desuper e enquanto os perfumes perguntam por teu seio nubes pluant rosam e o trevo de teu nome responde no orvalho da madrugada: poeta, ego íncola dos trevos — íncola de um trevo desde até pois alí oh laudes regis — calida latet el trébol — el trébol ó oriunda de Calíope a rosa veste a túnica e um perfume de talictres silvestres veste o trevo amante amore amavi amatam desde as celestes fugitivas e Carmen (carminum) até


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