Gerardo Mello Mourão


Violava as borboletas e as violetas

Violava as borboletas e as violetas lhe floresciam onde as abelhas cercavam a sagrada colmeia: Laura celebrava os ritos e as outras concelebravam — pois as bochechas cheias de esperma Salústia e Beatriz borrifavam as alfaias — manejava Mônica o estrangulado príncipe com as sementes leitosas aspergindo pupila umbigo e seio orvalhavam gotas de opalina as axilas peludas mas Laura celebrava os ritos: ao clarão do falus ao mergulho litúrgico celebrava os ritos na rua Paula Freitas sacrifício de lírios e verbenas nas tardes pluviais serviço de Perséfone e Afrodite esmagada na relva a boca na boca a relva: o macho à fêmea a fêmea ao macho imolados à súbita Ginandra vinham cantando à primeira semente de Apolo Ginandreu — pois Laura celebrava os ritos nos quadris em flor E deitado no mel das brisas flamejantes ego poeta começo o canto e digo: — "já nada mais existe, Apolo, e apenas somos na primavera do tempo quadris em flor" — e Laura celebrava os ritos. Quando as borboletas violavam as violetas inauguravam os áugures o augúrio e as palavras pereciam no lábio esquecidas de si mesmas a sós contigo, Apolo, e com a ninfa da vida e com a ninfa da morte murmurei o sopro da inefável canção: — pois somos celebrados enquanto Laura celebra os ritos. Mestre de cerimônias o poeta oficia a cerimônia do silêncio: o canto é seu ofício — mas o imolador se imola enquanto Laura celebra os ritos Um a um vêm os deuses chegando ao banquete da própria morte e da ressurreição — pois Laura moribunda e nascitura Laura agoniza a agonia de nascer de novo e ao ritmo e à tempestade de seu corpo o poeta celebra os ritos — e ali começa a nossa coisa cosa nostra, Apolo, de nossa raça: ego poeta sacerdote e vítima celebrado celebro a celebrante e o espaço perde a sua medida e o tempo perde a sua duração pois Laura celebra os ritos: brota de minha cabeça o cometa de seus cabelos e sob a torrente de seus cabelos meus olhos fitam o príncipe erguer da maçã de seus oasis de relva a cabeça da rosa e ali a derradeira súplica o suspiro e o pranto pois Laura despetalada recompõe a rosa — Laura celebra os ritos. Desaprendi teus outros nomes e na sabedoria do esquecimento invento as novas sílabas — Laura te digo e à minha língua sábia de teu próprio humus de tuas folhas te ergues — Laura celebrando os ritos Então começa — então termina Laura então se perde — então se busca Laura e neste chão o meu sepulcro e a minha fonte de minha morte jorro e piso minhas pupilas derelictas: pois no rastro de Apolo Laura celebra os ritos.


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