Natércia Freire


O Rosto que não tem Rosto

Eu tinha uns olhos de neve no tempo do vendaval; sob os olhos, flores geladas; por sobre o espelho tremente finas bagas de cristal. O tempo do vendaval governa ainda os meus dias. E um arrais de neves frias põe cansaços de metal nas doces melancolias. Nas noites de lume fosco sobre a água corredia, um rosto que não tem rosto e que se esfuma no dia preside ao branco cenário de uma única harmonia ... Vendaval de mãos tão frias: deslaça-me estes cabelos, abre-me os braços sem elos, faz de mim águas sombrias, sem canto de rouxinóis nem folhagem protetora, nem melodias de aurora, nem mansos beijos de sóis. Inunda-me estes ouvidos de raízes muito velhas; põe longe as festas vermelhas que eu tive nos meus sentidos, e de uma vez para sempre livra-me toda de mim.


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