Natércia Campos
Memória
Natércia
Campos encantada
03.06.2004
Eleuda de Carvalho
da Redação
Morreu ontem, aos 65 anos, Natércia Campos, autora do premiado
romance A Casa. O corpo da escritora e acadêmica está sendo velado
na Academia Cearense de Letras, onde acontece missa às 8h30. O
sepultamento será às 10h, no São João Batista, no mesmo jazigo do
pai de Natércia, o contista Moreira Campos
''Você é uma contadora de histórias'', disse o pai,
mirando a filha com seus olhos de chama viva. Afinal, foi entre
narrativas, lidas na biblioteca de casa ou contadas entre cafunés
pela Bazinha, a babá, que a menina curiosa saboreou a infância. Ali,
onde nasceu, na beira do mar da Praia de Iracema, em casa com cheiro
de maresia e flor, povoada pelas criaturas fictícias do contista e
dos seus muitos amigos da faculdade e do jornal. Dentre as crias do
mestre e de dona Mazé, bem que a menina sonhosa dava mostras, desde
sempre, de que herdara dele o gosto pelos livros. Natércia Campos
continuou, com seu jeito muito próprio, a trilha de Moreira Campos
(falecido há dez anos). O bem querer entre filha e pai se estendeu
mesmo às coisas, que também se impregnam de sentimentos. Aquele
fusquinha verde, reconhecível de longe por todos que frequentaram o
Bosque de Letras nos anos 80, não estranhou a nova dona.
A filha de Natércia, também escritora, Caterina,
alivia a dor dos muitos amigos: ''Mamãe teve uma morte antiga, como
ela queria. Ela foi com aceitação'', diz. Natércia Campos, que
sofria de câncer, encantou-se na manhã de ontem, em casa, ao lado
dos filhos e de tudo que lhe foi caro - livros, quadros, plantas,
magas. A caçula, Carolina, avisa da missa de corpo presente,
celebrada hoje, às 8h30min, na Academia Cearense de Letras, para a
qual Natércia foi eleita, por unanimidade, em 2002. O enterro será
às dez horas, no cemitério São João Batista, no mesmo jazigo em que
repousa Moreira Campos. Do jeito que Natércia queria.
Casou-se muito nova e logo vieram os filhos, ao todo
seis. Quando nasceu o primeiro neto, vovó Natércia estava na Espanha
(era apaixonada também por Portugal), e de longe a saudade cutucou a
brasa da escritora, que ela era e não suspeitava. Lá em Barcelona,
há vinte anos, escreveu então seu primeiro conto, ''A Escada''. Que
já dava pistas do seu caminho, uma via entre o real e o fantástico.
Três anos depois, em 87, o conto ganha prêmio literário nacional
promovido pelo Banco Sudameris. O segundo prêmio veio no ano
seguinte, quando Natércia vence a categoria conto da 4ª Bienal
Nestlé de Literatura Brasileira, com o livro Iluminuras, que já está
em terceira edição. Em 1998, recebe o Prêmio Osmundo Pontes de
Literatura, na categoria romance, com o belo A Casa. O Osmundo
Pontes de ensaio desse mesmo ano foi concedido a sua filha, Caterina
de Saboya Oliveira. Em 99, vai para Natércia o Prêmio Ideal Clube de
Literatura em crônica (''Vôos''). E este ano, a UFC incluiu o
romance A Casa entre os dez livros indicados ao vestibular.
Amigos, tantos... Natércia espalhou afetos Brasil
afora. E adentro, em suas viagens pelos sertões do Rio Grande do
Norte (onde reencontrou o amor). Socorro Torquato, a Côca,
acompanhou este roteiro de paixão e marcas de ferrar. ''É fácil
falar da Natércia, porque ela é toda alegria. Me lembro
particularmente das viagens que fizemos, à fazenda da Rachel de
Queiroz, à Acauã, do Oswaldo Lamartine de Faria''. Para ele,
Natércia organizou o livro Em alpendres da Acauã - conversa com
Oswaldo Lamartine (com a participação de Ariano Suassuna, Carlos
Newton Jr. e Virgílio Maia, entre outros, editado em parceria da
Fundação Joaquim Augusto, de Natal, com a Imprensa Universitária da
UFC). ''Quem apresentou Natércia ao Oswaldo foi o Virgílio. Ela
admirava muito a obra do Oswaldo, a paixão nasceu em princípio pelo
escritor'', lembra Côca. Publicar o livro não foi moleza. Mas
Natércia conseguiu. Côca acompanhou tudo. ''Quando ela punha uma
coisa na cabeça, não arredava pé. Movia montanhas pra ajudar um
amigo, se dedicava aos amigos, o que hoje em dia é muito raro.
Natércia era sensível aos problemas da gente, sofria quando você
sofre, se alegrava com a nossa alegria. Ela se encantava muito com o
que a gente faz, esta junção de literatura, arte e cumplicidade. Foi
uma amizade muito intensa''.
Bibliografia
Em livro
''A Escada'' - Publicado na coletânea
Quem Conta um Conto (editora Expressão - SP, 1987), na Revista de
Letras, vol. I, Fortaleza (Edições UFC), em 1988, e no Almanaque de
Contos Cearenses (editora Bagaço, 1997)
Iluminuras - Livro de contos, premiado na 4ª Bienal
Nestlé de Literatura Brasileira (Scipione, 1988). A 3ª edição foi
publicada em 2002, pela Premius
''O Jardim'' - Conto publicado no livro Antologia do
Conto Cearense (edições Tukano, 1990, com prefácio de Rachel de
Queiroz)
''Penitentes'' - Publicado em Antologia - O Talento
Cearense em Conto (editora Maltese, 1996 - SP)
''Eles'' - Conto publicado em Letras ao Sol -
Antologia da Literatura Cearense, organizada por Oswald Barroso e
Alexandre Barbalho (edições Fundação Demócrito Rocha, 1998)
Por Terras de Camões e Cervantes - Relato de viagem a
Portugal e Espanha (Imprensa Universitária do Ceará, 1998)
A Noite das Fogueiras. Romance fantástico (edições
Fundação Demócrito Rocha, 1998)
A Casa - Romance. Publicado em 2ª edição pela Editora
UFC, Fortaleza, 2004
Caminho das águas - Imprensa Universitária da UFC,
2001
|