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Norma Couri
O
MONUMENTO LITERÁRIO DE NAVA
Sai o primeiro dos
11 cadernos manuscritos e desenhados do autor, tema de várias teses
in O Estado de São Paulo,
12.06.1999
Em que Brahmas, em que brumas
Pedro Nava se afogou?, lamentou Vinícius de Morais depois do suicídio
do amigo perto da meia-noite de um domingo, dia 13 de maio de 1984. Tinha
80 anos. Quinze anos depois de ter descarregado na têmpora o Taurus
calibre 32, Pedro Nava ressurge da pólvora e começa a ser
reeditado. Após dez anos de esquecimento literário, acaba
de sair o primeiro dos seus 11 cadernos manuscritos e desenhados, cheios
de colagens, que ninguém sabia da existência (Cadernos de
Nava, 99 págs., R$ 15).
Nava era mineiro e morava no
Rio, mas os cadernos saem em São Paulo pelas editoras Giordano e
Ateliê Editorial, já que o sobrinho Paulo Penido retirou furioso,
há dois anos, os direitos da Nova Fronteira. "Eles lançaram
a biografia leviana A Solidão Povoada, da francesa Monique Le Moing,
que confinou Nava ao segmento gay", reclama, referindo-se ao clima de chantagem
e boataria sobre homossexualismo que envolveu a memória do escritor
depois do suicídio.
Ilustrado com desenhos de Nava
- que o amigo Mário de Andrade considerou numa carta ao amigo "uma
delícia" -, esses cadernos devem ser consumidos como quem persegue
a construção "de um monumento literário, desses que
se levantam de cem em cem anos", como disse Francisco de Assis Barbosa.
Os cadernos trazem pistas preciosas
sobre personagens de Nava - como Persombra e Ronairsa -, homenagens aos
craques do Botafogo, uma série de caricaturas que incluem as irmãs,
mulher e cunhadas de Afonso Arinos identificadas com as iniciais, o carão
enorme de gesso do marechal Odílio Denys e comentários sobre
o "covardão" general Costa e Silva. Traz colagens de Millôr,
"Médico que investe (no verdadeiro sentido da palavra) em cem doentes
lucra 10% de cadáveres" - Nava era reumatologista. Traz notícias
macabras do dia-a-dia incluídas na classificação Brasil
Cão e considerações sobre os números: "6-bunda
grande e magra, 9-peito grande em mulher magra, o nariz grego do 4..."
Há o poema que ele qualifica
como "fabuloso" de Affonso Romano de Sant'Ana, Que País É
Esse, e crônicas dos amigos Otto Lara Resende, que cita Lima Barreto
("Eu temo mais matar do que morrer"), e Drummond.
Com os cadernos vem a reedição
das obras completas de Nava. São seis livros: Baú de Ossos,
Balão Cativo, Chão de Ferro, Beira-Mar, Galo-das-Trevas,
O Círio Perfeito e 35 páginas do inacabado Cera das Almas,
que surpreenderam os amigos. Quando Nava publicou o primeiro tinha 69 anos
e ninguém imaginava que se escondia ali um mestre da arte de escrever
memórias. As palavras colhidas como pérolas, as memórias
pinçadas sem restrição ou piedade, a verdade crua
do passado e aqueles segredos de família que ninguém ousa
divulgar valeram ao escritor ao mesmo tempo fama, glória, ódio
e vingança - um contraste que era o próprio Nava.
Cáustico, pândego,
brincalhão, ele caricaturava médicos que infernizaram sua
vida na Policlínica Geral do Rio de Janeiro. Chamava-os nos livros
de Sacanagildo de Lima Goiaba, Diabolô Cabresto, Merdioso, Colérico
e Sabugosa. Com Drummond, seu companheiro de juventude, ele incendiou "de
brincadeira" o porão de uma namorada, Eunice Vivacqua. O sobrinho
Paulo Penido, também médico, hoje aposentado, com 62 anos,
jura que quando o conheceu pensou que Nava fosse o mágico das festas.
"Eu devia ter uns 5 anos e ele usava chapéu de tirolês e bigode
desenhado", descreveu.
Carta suicida - Nava
tinha fixação mórbida por defuntos e morte. Drummond
foi um dos seis amigos que recebeu, nove anos antes da morte dele, uma
carta suicida: "Desejo que meu cadáver seja embalsamado com uma
grande injeção (dois litros) de formol na artéria
femural ou, de preferência, carótida..." Foi também
um dos muitos que, como Pablo Neruda, julgavam seu poema O Defunto o maior
da língua portuguesa: "Meus amigos, tenham pena,/ Senão do
morto, ao menos/ Dos dois sapatos do morto!/ Dos seus incríveis,
patéticos/ Sapatos pretos de verniz."
Ele passou seu último
Natal, em 1983, conversando com o sobrinho, meio sério, meio brincando,
sobre técnicas de suicídio. "Em mim, a depressão representa-se
por um polvo que me estrangula e sufoca com seus oito tentáculos
e me esvazia de corpo e mente com suas ventosas inumeráveis," Nava
escreveu num dos Cadernos. Não há melhor momento para debruçar-se
sobre o "completo, lúdico, sério, imprevisível...
Esse Pedro", como o chamava Drummond.
Além dos Cadernos e da
Obra Completa, os editores Claudio Giordano e Plinio Martins Filho querem
editar a correspondência entre Mário de Andrade e Nava, depositada
no Instituto de Estudos Brasileiros da USP. São 25 cartas trocadas
entre 1925 a 1944. No ano passado, os editores já lançaram
as anotações desenhadas do Nava viajante em Viagem ao Egito,
Jordânia e Israel. E a entrevista do sobrinho Paulo Penido sobre
o tio, incluindo a seleção de textos e poemas, O Bicho Urucutum,
título tirado de um poema de Nava.
As teses pululam. Sobre a avó
e a mãe de Nava, Mulheres Reveladas e Veladas, de Ilma de Castro
Barros e Salgado. Sobre a escritura, A Escrita Frankestein de Pedro Nava,
de Celina Fontenelle de Garcia. Sobre o tal casarão que ele e Drummond
incendiaram quando jovens, Salão Vivacqua, de Eunice Vivacqua. Sobre
a cozinha nos livros do glutão Nava e outros, Cozinha do Arco-da-Velha,
por Nazareh Costa e outros. A comparação da escrita de Nava
com a de Lúcio Cardoso, De Próprio Punho, de Marilia Rothier
Cardoso.
Mas o melhor são as seis caixas depositadas na Casa de Rui Barbosa
do Rio, onde se podem ver os originais dos livros em papel almaço
datilografado de um lado e minuciosamente desenhado do outro.Há
também objetos pessoais. A única ausência é
uma cadeira que Nava inventou ser do fantasma. Tanto falou que quem dormisse
perto da cadeira teria pesadelos que o sobrinho Paulo Penido começou
a tê-los e descartou a cadeira. Foi para a casa de outro sobrinho
e o casamento dele acabou. A cadeira foi parar na casa de uma irmã,
mas uma barreira caiu em sua casa no Alto da Boa Vista. O objeto voltou
à Casa de Rui Barbosa, mas a diretora Eliane Vasconcelos a despachou.
Ela pode ser vista de perto no ateliê do editor Claudio Giordano,
em Santo Amaro, por quem possuir a fina ironia de Nava e, claro, não
tiver medo de fantasma
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