Caminhante, Caminhante
Nertan Macedo
Caminhantes de barbas longas, Caminhante
de voz pausada, de fronte erguida, de braços compridos
que alcançam águias.
Caminhante sem rumo que falaste às serpentes e
apredentes a linguagem dos bosques,
Caminhante das terras diferentes, onde povos escutaram
em silêncio as tuas palavras graves,
Caminhante das penínsulas que estendeste os dedos
para os campos estéreis
-- As árvores mais soberbas curvaram suas frondes
e te agasalharam ao sol –
Caminhante,
Caminhante,
Tu que foste marinheiro e falaste a linguagem salgada
dos mares por onde passaste,
Tu que ensinavas às estrelas do céu a tentativa humana
da colheita dos astros
(Elas riam e fugiam, deslocadas como crianças,
brincando sobre um tapete de veludo.
Tu lembravas dos adolescentes que apareciam
nos portos onde ancoravas
e esperavas que a última estrela te anunciasse o vento sul
gelado correndo para os lados da terra).
Caminhante,
Caminhante,
Teu barco hoje não serve para as viagens,
em volta dos cinco coeanos,
As sereias das águas dos cinco mares jamais ouvirão
as cantigas monótonas dos teus irmãos colhidos,
Colhidos porque algas, porque búzios, porque liquens,
porque carne impura,
Campadores das estátuas de rocha viva e dos olhos
de ferro enroupadas de musgos verdes.
Caminhante no passado barqueiro, marinheiro, vagante,
de quem são estas bocas e estas pernas
de quem estes lábios vermelhos,
de quem estes membros abandonados ?
Tu não sabias da loura que fumava tranquila,
Caminhante ?
Foram os teus irmãos e tua mãe de chale
que te imploraram a volta,
Queriam beijar-te, porque eras o mais parecido
com o pai morto que te alentara os passos.
E no dia do teu regresso era como se o mundo nascesse,
e o vale estava embandeirado, porque era o dia do teu regresso.
Tu voltavas, tu voltavas, Caminhante
(Tua mãe tinha os olhos mais fundos do que a caverna
das montanhas onde o santo falava aos peregrinos).
Um dia, as sombras baixaram nos umbrais da caverna do santo
e chegaste, um dia, à praia. Nenhum lamento na tua voz maior
do que na tarde em que enterraste a úlima criança,
comovidamente.
Tinhas fama de louco, porque gritavas
pelas estradas do mundo:
Hiroshima ! Hiroshima !
(Mas Hiroshima não respondia ao teu chamado
porque Hiroshima estava morta com os seus filhos.)
Caminhante,
Caminhante,
Quantas luas são passadas ? Quantos sóis já
morreram
desde que retornaste ?
Caminhante,
Caminhante...
Remetente: Isolda Pedrosa
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