Nertan Macedo
Cheio de ternura, de ladeiras e ruas iluminadas, encantadoramente de-sertas. Sinuosas e curvas, sob um luar muito claro e evocador, se deitando nas ca-sas, Nos velhos paredões soturnos, sombreando os caminhos, e a inefável pe-numbra envolvendo As casas, as ruas, os jardins desolados e as rosas florescendo num suspi-ro desoladoramente. Morro de Santa Teresa, caminho de um mundo irreparável, Onde a melancolia compôs um noturno entre sobras. Eu, que trago um noturno em mim mesmo, te percorro sonhando. Que haverá para além dessas luzes indecisas, piscando, piscando, Que haverá para além dessa enorme cidade estendida aos teus pés? Como falenas, passam anjos e adolescentes alados, e os pirilampos vol-teiam brandamente, E um silêncio surdo, ameno e fresco, vai chegando e ficando no ar... Os grilos cantam doidamente, em seguida, e o bonde sobe rangendo nos trilhos, rangendo, E o amor, se torna, em mim, um bemol, em surdina, no peito, suavemente em vigília. Compondo então cantigas e canções ao teu luar como os poetas antigos, Velhas canções que não mais alentam corações felizes de donzelas, como as dos poetas de outrora, (Eu tenho de molhar as mil lembranças esquecidas no orvalho caindo, le-vemente). Morro de Santa Teresa, que transformação é esta na minha alma, cheia de tempo e saudade, Que lírio branco é este, nascendo, crescendo, na minha carne impura, di-ante da minha face intangível, Como a face iluminada de muitos mortos que se transcendentalizam nos velórios, As mãos secas e litúrgicas, pausadas sobre o peito, onde o sim deu lugar ao infindável descanso, Que romântica, que pálida, que tuberculosa - sonolenta Sônia, tocará a estas horas qualquer coisa de Chopin, Com gestos frios, os dedos compridos, e um desejo indizível de beijo mor-no nos lábios, A simples rememoração do noivo maluco morrendo num hospital? Ó morro de Santa Teresa, por que, por que esta loucura romântica a estas horas vazias da madrugada nascente, Surgindo ao sopro das notas iniciais da quinta sinfonia de Beethoven? . |