I
E antes que o mar calasse,
perguntei-lhe: - “Por que choras?”
A ânsia da resposta, reclinada,
Seus cabelos colheram minhas mãos.
Ficamos assim, quietos, num instante,
De relutância e perdão. O mar parado.
A praia ao longo do olhar aflito,
As mãos roladas no seus ombros nus.
De fato, a tristeza e o silêncio. Outra vez,
repeti-lhe: - “Por que choras?”
Seus lábios se abriram num suspiro,
Sufocada, entre a angústia e a certeza.
Leve, como as asas desse vento,
Recolheu e aceitou o sonho ausente.
II
Escuto: bate teu coração inundado.
O mar inunda-o de doçura. (Fronte,
repousa afinal nas asas desse vento
e deixa que elas te conduzam...)
Tudo quanto sou - sangue na areia.
Exangue, mutilado, face opressa.
Erguido do anjo no clamor do mar.
Alma ferida por estranha estrela.
Embora mires o mar, o mar te mira
E te mirando, aceita como irmão
O céu. Ungidos por teu corpo solitário.
E a lua, a lenta lua fria, a lua
Remota andante pelas madrugadas
Deita raios de amor em teus cabelos.
III
E tudo passa. Os cães compridos desfilaram,
Uivando nessas praias, nessas mortas dunas.
Elas também se foram, a mão dos ventos,
Quando passa, esquece o próprio tempo.
Ervas daninhas, meigas flores, bustos,
Seios, cabelos, derrocados ventres.
Murchas faces, estátuas mutiladas,
Na indecifrável processão dos ventos.
E tudo passa. Até teu olhas de esperança,
Teus sentidos dispersos como búzios rolados,
Nas asas do mistério, ondulados, arfantes.
E nem da infância mais terei memória
Do que se foi... Porque na sexta hora
Todos os gestos se terão partido.