Odorico Mendes


Hino à Tarde

Que amável hora! Expiram os favônios; Transmonta o Sol; o rio se espreguiça; E, a cinzenta alcatifa desdobrando Pelas azuis diáfanas campinas, Na carroça de chumbo assoma a tarde... Salve, moça tão meiga e sossegada; Salve, formosa virgem pudibunda, Que insinuas cos olhos doce afeto, Não criminosa abrasadora chama! Em ti repousa a triste humana prole Do trabalho do dia, nem já lavra Juiz severo a bárbara sentença, Que há de a fraqueza conduzir ao túmulo. Lasso o colono, mal avista ao longe A irmã da noite coa-lhe nos membros Plácido alívio: — posta a dura enxada, Limpa o suor que em bagas vai caindo.. Que ventura! A mulher o espera ansiosa Cos filhinhos em braço, e já deslembra O homem dos campos a diurna lida; Com entranhas de pai ledo abençoa A progênie gentil que a olho pula. Não vês como o fantasma do silêncio Erra, e pára o bulício dos viventes? Só quebra esta mudez o pastor simples, Que, trazendo o rebanho dos pastios, Coa suspirosa frauta ameiga os bosques... Feliz! que nunca o ruído dos banquetes Do estrangeiro escutou, nem alta noite Foi à porta bater de alheio alvergue. Acha no humilde colmo os seus penates, Como acha o grande em soberbões palácios. Ali também no ouvido lhe estremecem De mãe, de amigo os maviosos nomes; Conviva dos festins da natureza, Vê perfazerem-se as funções mais altas: — O homem nascer, morrer, e deixar prantos... Agora ia entre prados, após Laura, O ardido vate magoando as cordas; E a selvática virgem, recolhendo A grave dor cristã, que a assoberbava Do mancebo cedia à paixão nobre, Grande e sublime, como os troncos do ermo... Ai! mísera Atalá!... mas rasga o fogo, E o sino soa pelas brenhas broncas. Tarde, serena e pura, que lembranças Não nos vens despertar no seio d'alma? Amiga terna, diz-me, onde colhes O bálsamo que esparges nas feridas Do coração? Que apenas dás rebate, Cala-se a dor; só geras no imo peito Mansa melancolia, qual ressumbra Em quem sob os seus pés tem visto as flores Irem murchando, e a treva do infortúnio Ante os olhos medonha condensar-se. Longe dos pátrios lares, quem não sente Os arrebóis da tarde contemplando Um súbito alvoroço? Então pendíamos Dos contos arroubados que verteram Propícios deuses nos maternos lábios; E branda mão apercebia o berço Em que ternos vagidos Infausto anúncio de vindouras penas. Sobre o poial sentada a fiel serva Que vezes atentei chamando ao pouso A ave tão útil que arrebanha os filhos, E adeja e canta, e pressurosa acode! Coa turba de inocentes companheiros, Agora sobre a encosta da colina, A casta Lua como mãe saudávamos, E suplicando que nos fosse amparo, Em jubilosa grita o ar rompíamos. Mas da puerícia o gênio prazenteiro Já transpôs a montanha; e com seus risos Recentes gerações vai bafejando. A quem ficou a angústia que moderas, Ó compassiva tarde? Olha-te o escravo, Sopeia em si os agros pesadumes: Ao som dos ferros o instrumento rude Tange, bem como em África adorada, Quando (tão livre) o filho do deserto Lá te aguardava; e o eco da floresta, Da ave o gorjeio, o trépido regato, Zunindo os ventos, murmurando as sombras, Tudo, em cadência harmônica, lhe rouba A alma em mágico sonho embevecida. Não mais, ó musa, basta; que da noite Os pardos horizontes se tingiram, E me pesa e carrega a escuridade. Oh! venha a feliz era que da pátria Nessas fecundas, dilatadas veigas Tu mais suave a lira me temperes Da singela Eponina acompanhado Na escura gruta que nos cava o tempo Hei de ao vale ensinar canções melífluas Nos lindos olhos, nos mimosos beiços, Nos alvos pomos, no ademã altivo Irei tomar as cores que retratem Da natureza os íntimos segredos. Do ardor da esposa; do sorrir da filha; Do rio que espontâneo se oferece Da terra que dá fruto sem o arado Da árvore agreste que na densa grenha Abriga da pendente tempestade A sobreolhar aprenderei haveres, A fazer boa sombra ao peregrino, A dar quartel a errado viandante Lá estendendo pelos livres ares Longas vistas, nas dobras do futuro, Entreverei o derradeiro dia... Venha; que acha os despojos do homem justo Ó esperança, toma-me em teus braços; Com a imagem da pátria me consola!


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