Oranice Franco 

 

GOSTO MINEIRO 
 

QUE FAZER se gostamos 
apenas gostamos do azul 
ah este azul impossível 
este tom mineiro 
restabelece nossas 
relações com Deus 

Eu te daria tudo 
se não me desses nada 
Nem teu amor que dói 
nem teu beijo que dói 
nem tua queixa que dói 
Eu te daria o azul da 
Capitania 

Todos os segredos estão revelados 
palavra falha palpita coração 
Vendo este azul de andorinhas 
a vida mais que enxuta 
curtido queijo mineiro 

                                  Os anos todos para viver 
                                  todo este azul para ver 
                                  toda você por conhecer 

                                  Me sinto forte tedioso filosófico 



CHAMADA GERAL 

NÃO FOI na calada da noite ou num feriado 
aconteceu em pleno dia quando a cidade vivia 
nem houve aviso prévio nem sinais tios céus 
anjos não trombetearam mensagens do alto 
muito menos aconteceu em hora especial 
talvez entre dez e meio-dia talvez não 
porque ninguém se atreveu a examinar relógio 

Subitamente a montanha chamou com voz de trovão 
com palavras esculpidas em pura pedra sabão 
sua voz reboou por sobre o Rio 
mas só foram ouvidas pelos mineiros 
Pálidos mas decididos se entreolharam 
alguns taparam os ouvidos com mãos algodão esparadrapo 
mas a voz da montanha lhes ressoava no cérebro 
gravemente como cantochão 
.- 

Não era apelo era ordem 
Muitos sorriram coração liberto 
outros choraram outros se desesperaram 
irias as palavras escritas a camartelo 
antes tão fúnebres perderam o roxo tom 
se abriram num poema 
Com elas brisa de serra cheia de pirilampos 
perfume de bonina se espalhou 

Ouvidos mais apurados chegaram a identificar 
choro de violão cantiga de berço seresteiro na noite 
balido de ovelha relincho de cavalo reza de padre 
Fazendeiros transmudados em banqueiros 
sentiram a festa do cheiro de capim gordura 
tomaram conhecimento da verdade 
fábricas não apitavam 
telefones não tocavam buzinas não funcionavam 
todos estridentes ruídos da cidade 
se transformaram em abôio 

Ardiloso político glória pátria 
era ouvido por repórter de jornal 
quando a montanha cresceu em vozes 
E'rgueu-se impávido atirou como trastes inúteis 
passado-presente agarrando-se ao futuro 
Todos de todas as profissões pararam o 
que estavam fazendo 
chamado era intransferível 

Palavras da montanha caídas no chão germinaram estrada 
sem curvas aclives declives pontilhões cuidados 
Mas foi um chofer de lotação que percebeu 
no tacômetro não usado 
que poderia correr livre e liberto sem multas 
campainha suor Freiou carro disse 
preciso ir para onde me chama corri tal empenho 
Passageiros se entreolharam pois só ouviam estridor 
da cidade 
Com olhar atirado ao longe chofer iniciou jornada 

Todos mineiros deixando seus trabalhos prazeres 
dores namoradas 
se juntaram começaram trilhar estrada 
que principiou, faiscar como pedra de isqueiro 
Autoniàticamente acertaram passo criando 
melodia heróica 
Caminharam sem fadiga fome tédio lágrimas 
vento (Ia montanha sacou pranto dos que choravam 
limpando-lhes amargura do coração 
Todos sorriram leves lépidos 
não partiam para o ignorado 
porque 
iam absolutamente para conhecido 
foram para vida sumarenta fixaram-se. E , sábios 
para que não mais saíssem e novo êxodo se repetisse cada 
mineiro pôs sobre o peito um queixume 
- seu peso é pluma - 
que brilha agora como farol agora brilha como estrela 



ACRÓSTICA 
 
 

AS LETRAS que foram teu nome de desespero 
estão em todos os meus poemas 
Não preciso colocá-las nos lugares certos 
poucas e espertas estão a um só tempo 
em cada verso em cada poema 
até um cego perceberá sua luminosidade 

Iniciam cada linha 
não contentes dominam o corpo do verso 
me desarmam me seguram me prendem 
ora brincando ora falando sério 

Os versos que não levarem as letras do teu nome 
carecem de sentido de beleza 
Por isso através dos tempos 
tu me serás sempre acrostica 



NOTURNO DE SÀO JOÃO DEL- REI 
 

NOITE ENORME imerecida 
Esta lua de mentira 
ilumina de verdade 

No humilde café 
generosa cachaça 
Estrelas tão perto 
martírio tão longe 

Cidade adormecida 
com suas igrejas 
seus faiscadores 
Os instrumentos da 
Orquestra Sinfônica 
se quedam inarmônicos 

Puríssima cidade 
clara noite a dentro 
Pelos teus cemitérios 
rondam meus amigos 

                    Dentro da noite 
                    impossíveis sonhos 
                    herança de quimeras 
                                 bondade imprudente 
                                                               Nem o amigo Vicente 
                                                               me entende ou faz por onde 

                                   Me sinto barroco - e indigno 
                                   na fachada da Igreja 
                                   de São Francisco de Assis 

                                   Lua borda a casa 
                                   de Bárbara Heliodora 
                                   Efigênia revive 
                                   Cidade conversável 
                                   bom remédio para 
                                   a melancolia. 

                                                               Serra da Mantiqueira: instituição 
                                                               Todo caminho leva a São João 

                                                               Sou Irmão das Mercês 
                                                               sempre fui meio anjo 

                                                               Uma criança reza em São João 
                                                               oração tão sentida 
                                                               que todo o céu está chorando 

    Noturno em São João del 
    Rei que não mais terei 
    (0 Lenheiro canta 
    nele navega meu destino) 




SERENATA PARA A MOÇA ADORMECIDA 
 
 
 
 

ESTA CLARINETA que 
estilhaça a noite 
com seu canto de dor 
quem a toca sou eu 
não tu ó Almeida 

E dormes 
Minha música fica sem dono 
na noite 

Nem Zé Feio 
pode acompanhar 
meu desalento 
minha tristeza 
fora de ritmo 






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