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Oton Lustosa


 

Magalhães da Costa: um nome da Literatura e da Magistratura piauienses 

 

 

Releio Magalhães da Costa...  Bate-me a saudade. Conheci-o mais de perto num dia qualquer de julho de 1995. Veraneávamos no litoral piauiense, com nossas famílias na colônia de férias da Associação dos Magistrados Piauienses. Relembro-me, vivamente, de não termos falado uma única palavra a respeito de processos, audiências, réus, autores...  Ah!  Falamos, sim, de autores! E como!  Acabara eu de chegar a Oeiras, onde fora recebido com a hospitalidade costumeira dos oeirenses, que me presentearam com livros dos escritores da terra: Zé Expedito, O.G. Rego, Possidônio Queirós, Dagoberto, Soarinho, Alvina Gameiro, Gerson Campos e outros tantos. Ao sol com o Dr. Magalhães da Costa... Tinha ele um livro à mão, um certo contista que não me recordo o nome.

Vai aqui um flash-back: àquela época ensaiava eu escrever o romance Meia-vida. Ao longo dos anos havia lido muitos romancistas, estudado muita Teoria Literária... Acordava. Ah! Eu teria condições de inventar uma história...  Fácil, hein! Na cabeça um projeto imenso com propósitos de transfigurar a realidade da vida suburbana de Teresina, com atenção especial voltada para a feirinha do Troca-troca, seu cotidiano e suas personagens emblemáticas.

Conversava, pois, com o contista Magalhães da Costa. Dele, o juiz experiente da vara criminal de Teresina, com dias contados para ascender à desembargadoria, eu não queria ouvir relatos de julgamentos difíceis, sentenças laudatórias, heroísmos forenses.   Não! Queria, sim, detalhes da sua experiência literária.  Falou-me de Estação das Manobras e do livro que preparava: Casos Contados e Outros Contos. Não sei o que ele viu em mim. Acho que andou notando o meu interesse e desconfiou que eu pudesse produzir algum texto literário. Dias depois, ao regressar, enviei-lhe exemplar de uma antologia com o meu conto Doze Léguas e dois exemplares dos livros jurídicos. Mas, ainda, naquela manhã de sol e praia, disse-me Magalhães da Costa das suas preferências literárias: Contos! Regionalistas, de preferência. Exaltou-me a figura de Fontes Ibiapina, o grande autor de Chão de Meu Deus, seu compadre, já falecido, para ele o maior contista aqui da terrinha. Arrisquei dizer-lhe da minha admiração por Graciliano, Rachel, Jorge Amado, Zé Lins, Zé Condé e outros mais ficcionistas da literatura brasileiro-nordestina. Não falamos de poetas. Recomendou-me leitura de Mário Palmério: Vila dos Confins e Chapadão do Bugre. Que alegria ter conversado demoradamente com Magalhães da Costa. Dona Júlia, sua amada esposa, sempre muito gentil e atenciosa para com os amigos do marido na boa prosa sobre autores e textos literários.

Regressei a Oeiras. Rápido encomendei Vila dos Confins (pela Editora José Olympio) e Chapadão do Bugre(pela Ediouro). Lio-os de capa a capa, devagarinho, saboreando a fala da personagem, a frase do narrador, a riqueza descritiva e a engenhosidade narrativa. Que beleza de obras! E o prefácio de Rachel de Queiroz a Vila dos Confins!  Encantou-se a musa cearense do romance nordestino com a prosa do político-literato mineiro: “A gente tem a impressão de que ele nos entrega para ver, na sua integridade primitiva, aquele rio, aquela mata, aqueles bichos, aqueles caboclos, aquelas histórias de caçada e pescaria, que parecem histórias de mentiroso, de tão saborosas.”

Entreguei-me de corpo e alma ao projeto literário do romance Meia-vida, animado pelas impressões que me causara a figura de Magalhães da Costa. Daí a quatro anos sairia o livro, depois de grande esforço físico e intelectual. Confesso: escrever, para mim, dói. Uma dor gostosa, mas dói. Dou mil graças ao computador. Que seria de mim não fora essa máquina inteligente e maravilhosa!

Daquela data em diante, passei a ser um leitor voraz de Magalhães da Costa. Onde quer que nos encontrássemos, conversaríamos sobre literatura e produção literária. Que eu me lembre, nunca falamos sobre códigos, leis, sentenças, réus e autores. Ah! Esqueço-me sempre: autores, sim! Em sua coluna Estante de Livros comentava-os, semanalmente. Valoroso leitor de contos e romances, dava as suas impressões aos colegas ficcionistas daqui da terra e de outras paragens Brasil afora.   Cuidava, pois, do engrandecimento da Literatura Piauiense.

Li quase tudo de Magalhães da Costa. Agora, depois do seu passamento, ocorrido a dezoito de junho último, cheio de saudades, releio Estação das Manobras, Casos Contados e Outros Contos, Traquinagem. Vou ao meu arquivo e releio a crônica que escrevi e ele fez publicar nos jornais em janeiro de 2000: “Traquinagem: deleita e ensina”. Testemunho literário fulcrado na admiração e na amizade: “Na prateleira da livraria, de pernas pro ar, fazendo cambalhotas no meio de gente cerimoniosa como Moacir Scliar, Dalton Trevisan e outros lá de língua engrolada das estranjas... Quem encontro? – O menino danisco do Zé do Branco. Trago-o para casa. Conversa comigo, me conta de suas reinações no enfrentamento ao Cabeção; desce o cós e me expõe a Cicatriz; diz-me de suas artimanhas para pegar um Cabeça-de-bode; me oferece um Pau-ronca bom-danado para aplacar dor-de-dente; arenga-me as injustiças na partilha dos pertences de seu avô Avelino; ao pé do ouvido diz-me de suas safadezas com a Zu, molecota fogosa no viço dos quinze anos; conta-me da prosa que teve com Papai Noel, que lhe revelou umas coisas esquisitas que acontecem no Céu...” (...) E no final da crônica: “Parabéns, ficcionista MAGALHÃES DA COSTA pela beleza de livro de contos. Traquinagem é livro que deleita e ensina, arte que convence.

Quero homenageá-lo. Releio suas traquinagens.  Vem-me à lembrança o quadro triste do seu esquife... Pranteado o homem, o escritor, o juiz íntegro e bom no Salão da APL. O ambiente pesado, envolto de dor estampada nos rostos dos seus colegas literatos, dos seus colegas magistrados, dos familiares e dos amigos enfim, agora se me desanuvia em alegria. Convenço-me desta reconfortadora certeza: “Foi-se o homem... Ficou o nome!” Nas prateleiras das bibliotecas públicas, nas estantes particulares, na boca dos leitores e dos vestibulandos, nos ensaios dos críticos literários, nos sites da Internet,  nas recordações dos colegas desembargadores e juízes, no testemunho dos jurisdicionados, na exteriorização da nossa grande e imorredoura Saudade.

 

 

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24.04.2006