TRÁFEGO
a ansiedade
deste encontro
(
sempre o primeiro e o último
e
os carros, a fumaça, os pneus,
os
retrovisores
e
as mãos suadas)
angústia
de um ônibus vazio
ao
lado do meu táxi
- e
depois da curva, além da angústia?
a luz
do freio acesa
na
traseira daquele ômega
- não
fale agora, não fale
uma
ultrapassagem
e
os olhos dela pulsando
na
memória
as
luzes dos sinais
as
luzes dos faróis
as
luzes
- isso
me lembra uma música
uma música muito antiga
(que eu esqueci)
o calor,
a grama seca
a
falta de umidade
e
ela aflita
as
mãos pelo cabelo
- não
dá para ir mais depressa?
que
seria de mim sem aqueles olhos?
e
as luzes, o calor, as mãos ásperas?
- não
me olhe assim, não me olhe
na
curva, um ônibus lotado,
suor,
saudade
uma
saudade imensa
e
este louco aí atrás buzinando
ultrapassou
-me
beije agora, me beije
o vento
pela janela
poeira
fina, seca
os
cabelos
entrando
nos olhos vermelhos
de
fumaça e tráfego
as
horas, as horas lentas, oleosas,
as
unhas nos dentes,
o
motorista com a barba por fazer,
o
suor salgado nas mãos
- só
lembro que era uma noite
de
sábado
mas
não me lembro
da
marca do vinho
ranger
de pneus, boca amarga,
o
rosto dela no retrovisor
e
tantos carros, tantos
suor
frio debaixo do braço
- bonita,
muito bonita, de uma beleza
assim...
Catherine Deneuve, sabe como é?
os
olhos úmidos
de
fumaça, náusea
e,
renitente,
pelo
corpo melado,
uma
vontade besta de morrer