Poemas de Maria selecionados por Moacir Maia
A SANTA MARIA MADALENA
Frei Antônio das Chagas (1631-82)
De noite a Madalena vai segura,
Passa por homens de armas sem temor,
Tanto enlevada vai no seu amor
Que não atende a quanto se aventura.
Indo buscar a vida à sepultura,
Quando não achou nela a seu Senhor,
Com suspiros, com lágrimas, com dor
Movia à piedade a pedra dura.
- Suave esposo meu, todo o meu bem -
Os olhos no sepulcro, começou
- Quem vos levou, Senhor, donde vos tinha?
Quem vos levou, Senhor, onde vos tem?
Torne-me meu Senhor quem mo levou
Ou leve com meu corpo esta alma minha.
TRANSFIGURAÇÃO
Gonçalves Crespo (1846-83)
Era a voz de Jesus, benigna e tão suave
Como um perdão de mãe, ou como um trino de ave.
A turba, que o cercava, ouvia-o respeitosa,
Olhando aquela fronte, ebúrnea e luminosa.
Ele chamava a si, com falas de esperanças,
O simples, o aflito, e as tímidas crianças.
E falava do céu, das coisas transparentes,
E de um alto ideal, às almas inocentes.
Aos humildes dizia, erguendo o olhar profundo:
- O reino do Senhor não é o deste mundo!
Ouviu-se então no povo em êxtase embebido,
Um grito sufocado, um choro dolorido.
Jesus baixava a vista, afável e serena:
- Feliz - disse - o que chora, oh doce Madalena!
E ela, que em vida solta, alegre e descuidada,
Passara os dias seus, triste mulher formosa!
Sentindo aquele olhar, que entre ela e o céu flutua,
Nas tranças ocultou a espádua seminua...
JESUS NO COLO DE MADALENA
Luís Delfino (1834-1910)
Jesus expira, o humilde e grande obreiro!...
Sobem já, pela cruz acima, escadas;
E nos cravos varados do madeiro
Batem os malhos, cruzam-se as pancadas.
Ouve-se um choro em torno. As mãos primeiro,
Inertes, caem no ar dependuradas;
A fronte oscila; arqueia o tronco inteiro
Nos braços das mulheres desgrenhadas.
Soltam-lhe os pés. Aumenta o pranto e a queixa.
Só Madalena ao oiro da madeixa
Limpa-lhe a face, que de manso inclina.
E no meio da lágrima mais linda,
Com o dedo erguendo a pálpebra divina,
Busca ver se Ele a vê... beijando-o ainda!...
A SANTA MARIA MADALENA AOS PÉS DE CRISTO
Manuel Botelho de Oliveira (1636-1711)
Solicita, procura, reconhece,
com desvelo, com ânsia, com ventura,
sem temor, sem soberba, sem loucura,
a quem ama, a quem crê, por quem padece.
Ajoelha-se, chora, se enternece,
com pranto, com afeto, com ternura,
e se foi indiscreta, falsa, impura,
despe o mal, veste a graça, o bem conhece.
A seu Mestre, a seu Deus, a seu querido,
rega os pés, ais derrama, geme logo,
sem melindre, sem medo, sem sentido.
Por assombro, por fé, por desafogo,
nos seus olhos, na boca, no gemido,
água brota, ar respira, exala fogo.
MADALENA
Camilo Pessanha (1867-1926)
... e lhe regou
de lágrimas os pés
e os enxugou com os cabelos
da sua
cabeça.
Evangelho de S. Lucas.
Ó Madalena, ó cabelos de rastos,
Lírio poluído, branca flor inútil...
Meu coração, velha moeda fútil,
E sem relevo, os caracteres gastos,
De resignar-se torpemente dúctil...
Desespero, nudez de seios castos,
Quem também fosse, ó cabelos de rastos,
Ensangüentado, enxovalhado, inútil,
Dentro do peito, abominável cômico!
Morrer tranqüilo, - o fastio da cama...
Ó redenção do mármore anatômico,
Amargura, nudez de seios castos!...
Sangrar, poluir-se, ir de rastos na lama,
Ó Madalena, ó cabelos de rastos!
DOR DE MARIA MADALENA
NA PAIXÃO DE CRISTO
Francisco de Vasconcelos Sobrinho (1665-1723)
Dous mares, um de aljôfar, outro de ouro,
Soltando a Madalena espalha e chora,
Um de pérolas raudal, ciúme da Aurora,
Outro de Ofir prisão, do sol desdouro.
Quebrando a imunidade o raio ao louro,
Com louros raios melhor sol namora,
E quando pérolas verte, ondas arvora,
Faz o aljôfar erário, o Ofir tesouro.
Os olhos e os cabelos aos pesares
Tremulando troféus, vertendo ensaios,
São da dor sentinelas, da ânsia rondas.
E dobrando as tormentas em dous mares,
Em pélagos de neve afoga os raios,
Em naufrágios de fogo bebe as ondas. |