Porto Alegre


Colombo
Canto XXVI
O Descobrimento da América

Mais uma hora velou. Deu meia-noite. Rendeu-se o quarto no maior silêncio. Acalmada a emoção, e mais convicto, Fez sinal, e a esquadra pôs à capa, Sem que alguém da manobra visse a causa. Sentado, e enfraquecido por vigílias, Ainda olhava; mas, cedendo ao corpo, Ali mesmo dormiu, té que de um salto Erguido ao trom de festival bombarda, E da grita dos seus, que repeliam Com Bermejo, na Pinta — "Terra, Terra — Sem olhar, convencido da verdade, Por grato impulso, ajoelhou-se orando, Antes que a terra lhe alegrasse a vista! Vinha o dia rompendo, e descobrindo Sobre a linha do mar a terra ansiada! Como ao empaste das fecundas tintas, A natureza e a luz na tela fulgem, Assim fulgia o ondulado aspeto De Condene floresta, e pouco a pouco, Ao sorriso das auras fugitivas, No ar se abriam graciosas palmas, Como guerreiros de emplumados elmos, Vindo à plaga a festejar as naves. Com o prumo na mão, sondando a costa, Entrou numa abra que no fundo tinha Surgidouro seguro. Manda o chefe A manobra de paz! e a um tempo viu-se Cair o pano, atravessar a frota, Morder o ferro a desejada areia. Os descrentes então se convenceram De que um homem de Deus vê mais que os outros. Baixam dos turcos o ligeiro esquife E o real escaler apendoado. O prazer, que remoça, agita o Nauta. Larga o burel da devoção, e o peito De lúcida couraça veste; cinge A espada de almirante, e sobre os ombros Traça um manto escarlate, mimo régio. Protege a fronte com um brilhante almafre, De cujo cimo pontiagudo rompe Trífida palma de recurvas plumas. Toma o pacto real, feito em Granada, E o pendão de Isabel, o novo lábaro, Que há de breve vencer mais que o de Roma. Descem com ele os empregados régios, E os Pinzões, a quem dera a honra e guarda Do estandarte real. Acena ao mestre: Alam as prontas, vogas à ribeira; Qual amplexo de amor, todos sentiram O doce abalo do encontrão da praia. De um salto juvenil pisa Colombo A nova terra, e, com seguro braço, A bandeira real, no solo planta. Beija a plaga almejada, ledo chora: Foi geral a emoção! Disse o silêncio Na mudez respeitosa mais que a língua. Ao céu erguendo os lacrimosos olhos Na mão sustendo o crucifixo, disse: "Deus eterno, Senhor onipotente, A cujo verbo criador o espaço, Fecundado, soltou o firmamento O Sol, e a Terra, e os ventos do Oceano, Bendito sejas, Santo, Santo, Santo! Sempre bendito em toda parte sejas, Que se exalte tua alta majestade Por haver concedido ao servo humilde O teu nome louvar nestas distâncias. Permite, ó meu Senhor, que agora mesmo, Como primícias deste santo empenho, A teu Filho Divino humilde ofereça Esta terra e o mundo sempre a chame Terra de Vera Cruz! E que assim seja!" Ergue-se, e o laço do estandarte afrouxa: Sopra o vento, desdobra-o, resplandecem De um lado a imagem do Cordeiro, e do outro As armas espanholas. Como assenso Da divina mansão, esparge a brisa Um chuveiro de flores sobre a imagem, Flores não vistas da européia gente!


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