Soares Feitosa, Tentativa de Retrato da alma do Poeta, Maura Barros de Carvalho, jun/1996

Posfácio

ao livro do poeta W. J. Solha, link no final,

DEUS e OUTROS QUARENTA PROBLEMAS

 

A postagem deste texto nas redes sociais é um Convite ao Jornal de Poesia

e homenagem ao poeta W. J. Solha

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Claude Lévi-Strauss, através de um ensaio de Marcelo Coelho, na folha de São Paulo, nos idos de 1997:

"Vistas na escala dos milênios, as paixões humanas se confundem. O tempo não acrescenta nem subtrai coisa alguma aos amores e aos ódios sentidos pelos homens, nem aos seus compromissos, suas lutas e suas esperanças: ontem e hoje, são sempre os mesmos. Suprimir ao acaso dez ou vinte séculos de história não afetaria de modo sensível nosso conhecimento da natureza humana. A única perda insubstituível seria a das obras de arte que tais séculos teriam visto nascer. Pois os homens não diferem, e nem existem, senão por suas obras. Como a estátua de madeira que pariu uma árvore, somente elas trazem a evidência de que no decorrer dos tempos, entre os homens, algo realmente ocorreu". OLHAR ESCUTAR LER, Claude Lévi-Strauss, Cia das Letras, 1993, Tradução Beatriz Perrone-Moisés.

 

Imediato, comprei o livro que guardo até hoje, digitalizado, e ando com ele pra cima e pra baixo no computador, aliás, na "rede". Agora, a acrescer-lhe este outro, um livro de ressurreições, DeuS E OUTROS QUARENTA PrOblEMAS, de W. J. Solha.

O adultério (ou não) de dona Capitu teria sido apenas uma notícia policial, mero deleite de comadres, não fora a genialidade de Machado. A Arte, só a Arte nos salva. Hoje, muito fácil comprovar se Capitu era ou não a mulher de José de Alencar, boato disseminado por Humberto de Campos. Suficiente um DNA das ossadas, inclusa a do filho, Mário de Alencar, que seria de Machado, herdando-lhe inclusive a epilepsia. (O talento, não, que talentos não se herdam). Contudo, ainda assim, aqueles "mortos' estariam redivivos na genialidade de Machado de Assis. (Sou contra esse exame, por sua absoluta inutilidade: Capitu continuará existindo mesmo jeito). Prefiro acreditar que dona Capitu é real, porque ela é mais real que a supostamente infiel mulher do cearense, a francesa. Em suma, vivemos sob uma realidade muito mais real do que a do dia a dia: o mito, a obra de Arte.

A verdade?

Ah, a verdade, meu caro Pôncio, são três, o Cristo não lhe disse? A jurídica, a histórica e o mito. Claro que a jurídica, ainda que possa produzir grandes benefícios ou danos terríveis, inclusa a prisão ou a morte, é a mais precária das três Sou inocente! Juiz ladrão!- brada o condenado. A outra, a histórica, os fatos, ainda que à vista de anotações e documentos, também imprestável. Reúnam-se três historiadores e teremos três versões diferentes. A terceira verdade, o mito, a obra de arte, não. Como afirmar que Capitu, Bovary e Karennina (citadas por Solha) não existiram?! Alguma dúvida sobre a Transfiguração? Abra qualquer livro de arte e lá está: Rafael Sanzio de Urbino.

Os cavaleiros do Apocalipse não seriam quatro, vide Jane Jacobs; há este outro: o esquecimento. Então, se morremos pela fome, a guerra, a peste ou a morte, há uma outra morte, a supramorte, o esquecimento.

O livro de Solha, também destinado ao não-morrer, faz, em tom poético, a grande viagem sobre a Arte que mantém vivos estes séculos todos que carregamos nas costas. Um livro multi, que não aborda apenas a poesia dos clássicos, nem suas literatices; envereda por todos os ramos, incluso o cinema, a dança, pedras, riscos, traços e o popular. Em suma, tudo sobre o Todo. Até mesmo a comoção do encantamento mais simples quando o poeta registra o mero fabrico de um lápis:

Mas... há, sim, ... gentileza... em quem faz arranjo de flores, de versos, de sons, de aromas, sabores, formas... e cores buscando prazer ... e beleza. Há uma... delicadeza em seu ápice... em quem junta madeira e grafite... num lápis.

 

O encantamento de descrever, em poesia pura, o grito em Piero della Francesca, quando o capitão inglês, Clarke, Segunda Guerra Mundial, manda parar o bombardeio porque na catedral, lembrou-se ele, estava a testemunhar, livre do esquecimento, a Ressurrezione. Alto lá, senhora Morte! Este insulto maior, em Solha, à não-morte, ao não -esquecimento, quando registra:

 

O que pode haver... de mais... irreal... que o fato de que

nenhum autor,

em toda a literatura universal,

ter, até hoje,

conseguido - como seria de se supor - d Shakespeare ... se

igualar... e - por que não?! superar?

 

Harold Bloom diz, até para quem não quer ouvir, que o mais inteligente de todos os homens não seria Shakespeare, mas Hamlet, como se fosse possível a criatura ser maior que o criador. Sim, claro que é assim! Quixote e seus moinhos são mais, muito mais, que Cervantes. O autor, paisagem de sua infância, seis anos, aquele mesmo cavalo espancado em Nietzsche:

 

a suar entre as crinas, se esfalfando, soltando o vapor pe-

las narinas, sob as chicotadas do cocheiro - grosseiro -,

até que cai de joelhos e apanha demais, ainda mais,

e é como se chocado - eu, garoto, flagrasse algo vedado,

secreto e profundo: a máquina,

infernal,

do

mundo.

 

E mais e mais. A força da poesia verdadeira a nos demonstrar que a morte inexiste. Não crê na Ressurreição do Cristo? Pois confira em Piero, pergunte ao capitão Clarke, pergunte ao poeta Solha! Solha nos fala de Heitor, o domador de cavalos, em Homero, a grandiosa cena do pequeno assombrado com o pai em trajes de guerra:

Homero, quando faz Heitor- ao chegar da batalha - tirar

 o elmo com enonne crina de cavalo, pra mostrar ao filho

 apavorado que é só o seu pai chegando de mais um dia

de batente: perfeito!

 

Já chega! Não vou citar mais nada não. Cumpre-me apenas discordar do título. Problemas? Pelo contrário, soluções, solução. A única possível. A (re)criação, a obra de Arte contra o olvido e a morte. Sim, a busca de Deus, a buscada do pai vide Augusto dos Anjos, o poeta do pai. Toda a arte é uma negociação com os deuses, tanto mais pesada se for com o Não-Acreditado, aquele que não morreu, nem há de morrer, porque, muito bem oculto, está dentro de cada um de nós. Um livro religioso? Sim, na medida em que a Arte verdadeira funda-se nessa permanente negociação. Leitor, o encargo é teu: ler e desvendar.

Soares Feitosa.


Link para a page de W. J. Solha, vário livros em inteiro teor,

incluso este do Posfácio de Soares Feitoa