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31.10.2002 

SEMANA DOS MALDITOS
Versos polêmicos

Dentro da programação da Semana dos Malditos, no Centro de Humanidades da UECE, um dos poetas mais conhecidos e polêmicos do Brasil, Augusto dos Anjos, é assunto de palestra logo mais à noite. O professor Paulo Petrola pretende desfazer alguns mitos sobre o poeta paraibano

Mônica Lucas
Especial para O POVO


O professor-palestrante Paulo Petrola sobre Augusto dos Anjos: "A morbidez vem do sentimento"(Foto: Edimar Soares)

[31 01h23min]


Polêmico ele sempre foi. Com uma linguagem ao mesmo tempo elaborada e muitas vezes beirando o vulgar, Augusto dos Anjos e suas poesias angustiadas e pessimistas (ou realistas?) fugiam aos padrões parnasianos da belle époque, que em seus versos mostrava o lado belo da sociedade. Com apoio do irmão, conseguiu em 1912, publicar seu primeiro e único livro, Eu, cheio de termos cientificistas e assuntos mórbidos. Livro ''malcriado'', de ''mau gosto'', teria endossado Manuel Bandeira.

Quem discorda é o escritor e professor de Filosofia da Universidade Estadual do Ceará (UECE) Paulo Petrola. Ele fará uma palestra hoje à noite sobre Augusto dos Anjos durante a Semana dos Malditos, evento organizado pelo Centro de Humanidades da UECE. Para Petrola, as críticas ao poeta paraibano são injustas. Vale ressaltar seu estilo único e original, que não pertencia a nenhuma escola literária da época, e já seria suficiente para o reconhecimento de sua obra. Mas é inegável o fato de que ser ''diferente'' também contribuiu para que Augusto dos Anjos tenha se popularizado, mesmo que demorasse anos para ser redescoberto.

Maldito pela rejeição que sofreu em vida, pelo destino, pelas frustrações e contradições de seus ideais, Augusto dos Anjos conseguiu a popularidade somente após sua morte. Tuberculoso, magro, tímido e surdo de um ouvido, entre outras características desabonadoras. Mesmo assim é um dos poetas brasileiros mais lidos e cujos versos são bastante lembrados. Ainda que tenha obra considerada por muitos difícil de entender e, principalmente, de digerir, o poeta atinge as camadas mais populares de forma incontestável. Quem já não usou de modo abusado ou revoltado a expressão ''Vai, escarra na boca que te beija'' ou ''a mão que afaga é a mesma que apedreja''? Nada mais do que adaptações de versos seus.


O POVO - Por que Augusto dos Anjos pode ser considerado um poeta maldito?
Paulo Petrola - Muitos são malditos pela rejeição da sociedade, pela própria vida, pela impossibilidade de conciliar ideais contraditórios. Alguns juntam essa obra, digamos, de maldição que mostra os impasses da realidade, às invibialidades do ser humanos, à própria vida deles. Também tem o meio, o estilo de vida que eles tinham de suas famílias, de sua origem social, que tornam inviáveis momentos de transições históricas. Augusto dos Anjos se encaixa em todas essas regras.

OP - Como se deu esse processo de poeta obscuro e criticado à popularidade após sua morte? E hoje, qual a repercussão de sua obra? Houve um declínio de sua popularidade?
PP - Augusto dos Anjos só tem um livro, mas de grande repercussão. Quando Augusto dos Anjos morreu e um amigo foi lamentar, Olavo Bilac, um dos poetas ''oficiais'', disse: ''Não lamente. A poesia brasileira não perdeu grande coisa''. Agora, o fato de ficar esquecido é uma coisa interessante. Ele nunca foi um escritor comercial. Mas o Augusto dos Anjos é apenas aparentemente esquecido. Veja as edições de obras de poesia no Brasil: Eu é o que tem mais edições. Acontece com ele um fenômeno que acontece com muitos autores. Platão não aparece na mídia, mas é o filósofo mais lido de todos os tempos. Augusto dos Anjos não está esquecido, está no inconsciente das pessoas. O mais importante é que o reconhecimento vem ho homem do povo, do mediano; não da academia, esse meio sempre o rejeitou.

OP - A intenção de Augusto dos Anjos era chocar a sociedade da época ou simplesmente se expressar de um modo diferente do usual?
PP - Ele não tinha a intenção de chocar. Isso é um erro. Outro erro é dizer que ele usava termos científicos. Ele usava termos de uma linguagem popular, mas de uma filosofia que era uma ideologia do cientificismo, que é outra coisa. É uma visão de mundo tirada a partir da ciência. Os termos são inusitados na poesia, mas o segredo é que ele usa a sonoridade desses termos. E ele não usava para chocar, aquilo era uma expressão interna dele, era o sentimento dele que era daquela maneira, da ideologia que ele incorporou.

OP - A morbidez também fazia parte dessa expressão ou ideologia?
PP - É outro erro chamá-lo de mórbido. Podemos falar das flores, do perfume delas, dos lírios e isso é poético, não é? Mas para a flor nascer precisou de quê? De esterco. Mas falar das fezes do gado é mórbido? Por quê? Essas coisas não são mórbidas, elas fazem parte da realidade. Falar dos tapurus comendo cadáveres, isso você vê se andar pelo Nordeste. Está na base do fundamento da realidade em que ele estava. A morbidez eu vejo em outras coisas, na impossibilidade que ele via de amar, por exemplo. A morbidez não vem da matéria, mas do sentimento.


Serviço:

Augusto dos Anjos: Sou uma Sombra - palestra com o ex-reitor da Uece, escritor e professor de Filosofia da Uece Paulo Petrola. Hoje (31.10.200
1) às 19h, no Centro de Humanidades da Uece, Av. Luciano Carneiro, 1313. A palestra faz parte da Semana dos Malditos, que segue até o dia 1º de novembro. Inscrições com certificado: R$ 3,00. Informações na Secretaria do Centro: 272-7100, pelo e-mail: osmalditos@ig.com.br

 

Página de Augusto dos Anjos