Palmyra  Wanderley

Areia Preta - Flor de Verão
                  
 
Areia Preta, praia que se esfuma, 
às vezes, a pensar
na sorte das jangadas,
no alto mar.
Iara Langorosa
de olhos verdes, verdes,
fecha os olhos, tristonha,
está com sono.
Na alva rede de espuma
está dormindo
e sonha com o seu dono...
A ventania dança o seu lundum
e ela dorme embalada
ao cantochão da vaga:
- Hum! ... hum!...  hum!...

Ama tudo quanto amei.
Canta ao luar
Cantigas que eu cantei
noutro tom;
num tom que eu ainda não dei.

Acompanha o seu fado
O violão da noite estrelejado.
E a guitarra da lua, às vezes,
também toca,
com craveiras e cordas de luar;
com um bordão
que somente possui o coração.
E o possui para amar.

A brisa é quem nos traz
o som da serenata,
num bafejo cheirando
a flor de cajueiro;
a resina escorrendo na alvorada;
o fruto azedo e doce,
amadurecendo de madrugada.
Areia Preta, eu te revejo sempre,
Nas ondas de teu mar encapelado,
Mar, sempre muito verde e muito triste,
A se queixar...
Como se a esperança fosse embora
Prometendo que volta, sem voltar.

Areia Preta, eu te revejo sempre,
nas areias de fogo de um deserto
desses teus morros
polvilhados de ouro,
onde eu imagino desfilando
beduínos no sol e no calor;
caravanas de sonhos
que morreram de sede,
sem promessas de amor.

Areia preta, flor de verão!
Aberta ao sol da praia
e ao sol do coração,
das praieiras bonitas do lugar;
Renda branca a penar,
na almofada de bilro,
das rendeiras antigas,
já tão cansadas das fadigas
das noites que passaram
mal passadas,
em serões, a tocar...
ouvindo tristes cantigas
da Mãe da Água a se embalar...

Areia Preta, vela
aberta, lembrando
o pescador, de alma bondosa e rude,
mas, cheio de virtude
e fiel , tão fiel à madrugada,
como a hora marcada
para a maré encher,
para a maré vazar...
ai, como sabe amar
o pescador!
Bem o quisera saber
o homem da cidade.
Seu coração é sempre um preamar
de amor e de saudade.

Quem me dera casar com um pescador
de tez queimada ao sol das pescarias,
lutador que, em dias de procela,
atira a rede
e assiste o destroço da vela;
Na tempestade, no escuro,
sem perder nunca essa serenidade
que é a fé em Deus
e confiança no futuro.
Quem me dera casar
com um simples pescador
forte, leal, sincero, corajoso,
resistente na dor,
prudente na alegria,
no prazer cauteloso.
Nos dias de bonança, previdente,

Sem saber enganar,
sem saber iludir,
sabendo amar somente
e prometer,
prometer e cumprir.

Quem me dera casar 
com um pescador assim,
sincero e bom, honesto e destemido,
firmado na vontade de querer
e de vencer,
sem nunca ser vencido.
Um pescador assim,
que sentisse a alegria de viver
pelo bem feito.
Que amasse o amor,
o sol, o mar, a praia, a natureza
e só pensasse em  mim.

Quem me dera casar
com um pescador ousado
na procela,
grosseiro, no seu traje de algodão...
De sentimento nobre e delicado,
consciência mais branca do que a vela
e amor para me amar com o coração.

Areia Preta, eu te evoco revendo
aquele morro quase desaparecendo,
dentro da água revolta do teu mar,
tal qual um sonho que encontrei um dia,
bem dentro da minha alma mergulhado,
no doce travo de querer bem,
no gosto amargo de haver amado.
E volvendo ao passado de menina,
Areia Preta, eu te revejo assim:
- Na história muito triste da rendeira,
na voz do pescador, do alto da colina,
cantando para mim,
que também sou praieira!...

 
                                                                          
Remetente: Walter Cid

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 Página editada  por  Alisson de Castro,  Jornal de Poesia,  31  de Março de 1998