Antero de Quental

Beatrice

Nem visao, nem real: amor! amor somente!... Pois quem sabe o que diz esta palavra - amor - ? Quando deixa cair no peito esta semente, Diz o que ha-de brotar, acaso, o Deus-Senhor Somente amor... Somente?! e pouco esta palavra? Duas silabas so - em pouco um mundo esta - Loucos! mas, quando o amor se expande, e cresce, e lavra, Bem como incendio a arder, tao pouco inda sera? Gota, que alaga o mundo! atomo, e apos, colosso! Mas este nada ou mundo, a mim quem mo aqui pos! Foi Deus! de Deus me vem... e a Deus medir nao posso: E imenso o que vem dele... os nadas somos nos. E o nada, que me abriu no peito e, feito imenso, O encheu, bem como um vaso, abrindo, encheu a flor, Ha-de alagar teu peito e ser do templo incenso... Mulher! has-de escutar, que eu vou falar d'amor! Falar d'amor?!... se ele e como uma essencia, Que nos perfuma, sem se ver de donde... Se ele e como o sorriso da inocencia, Que inda se ignora e, p'ra sorrir, se esconde... Se e o sonho das noites vaporoso, Que anda no ar, sem que possamos ve-lo... Se e a concha no oceano caprichoso, Se e das ondas do mar ligeiro velo... Se e suspiro, que oculto se descerra, Se escuta, mas se ignora de que banda... Se e estrela, que manda a luz a terra, Sem se ver de que paramos a manda... Se e sonho, que sonhamos acordado... Suspiro, que soltamos sem senti-lo... Sopro que vai dum lado a outro lado... Sopro ou sonho, quem pode repeti-lo? Falar do amor... do amor! o sempre-mudo! Se e segredo entre dois, como dize-lo, Sem divulga-lo, sem que o ouca tudo? Se e misterio encoberto, como ve-lo?...


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