Rita Cruz
Carta 1
Thiago,
Aqui, os dias estão cada vez mais vazios, principalmente agora, que
a Alline se foi para o Canadá. Tenho tentado viver de poesia, mas
também ela está aos poucos me deixando.
Acho que as nossas conversas pseudo-intelectuais me fazem muita
falta, pois não consigo produzir nada que preste.
Em compensação, quando leio seu blog, fico extremamente feliz com
seu progresso. Está a cada dia melhor.
São relatos que me encorajam e me estimulam, não na mesma proporção
que as nossas conversas de mesa de bar. Sinto sua falta.
Mas sinto também algo que não conseguirei definir nem com um milhão
de palavras. Eu sei que é um chavão, mas talvez seja mesmo a
"saudade daquilo que eu nunca vi"
E meu coração chega a arder de dor. Espamos e mais espamos.
Preocupo-me contigo, mas ao mesmo tempo tenho certeza de que você
está melhor que eu. É bem verdade que não tenho tido necesidade de
cortar lenha aqui no Brasil, mas vivo num esforço tão intenso dentro
da minha alma, que pensar e produzir viraram atividades quase que
braçais.
Qual é o sentido da nossa geração, Thiago? Fala-me o motivo da nossa
luta? Com o que temos derramado nosso suor e nossas lágrimas?
Meu coração está perdido em tentativas que não se concretizam nunca
e eu sei que você me entende, pois também viveu esse tempo de dar
voltas em torno de si mesmo.Só lamento que não esteja aqui para
darmos risadas da nossa profunda incapacidade de adequação ao
sistema; da nossa insignificancia consentida (e até comemorada nos
botecos da vida).
Eu não encontro nenhuma causa pela qual esteja disposta a fazer a
revolução, entende?E essa ausência de tudo e de nada me tem matado
aos poucos. Uma morte suave... O estado de letargia está em todos os
lugares onde repouso meu corpo cansado. Não há momento de trégua.
No trabalho, na minha casa, na minha vida-quase-social...Tudo
reflete a minha insatisfação!
Só as palavras me confortam... e nem sempre!
Procuro não reclamar da sua ausência, mas ultimamente tem sido
inevitável ... Contento-me com sua voz escrita na tela do meu
com-PUTA-DOR.
É, Barbusse, não analisa não!!! Faça tudo por impulso mesmo, que a
vida não é de brincadeira e em pleno dia se morre.
Aliás, tenho perdido o medo da morte e isso me assusta. Se não for
ela, a "indesejada da gentes", para me impulsionar a viver os meus
dias como se fossem o último, o que será?
O que me devolverá a intensidade? Não sei, Ravengar, não sei.
Confesso que nunca soube, mas hoje sei menos que ontem e que antes
de ontem.
Eu sei que esse estado febril vai passar, mas não sei quantos países
imaginários terei de visitar antes de voltar ao estado normal e é
bem verdade que talvez eu nunca volte.
Mas isso é assunto de outra carta. Minha loucura é vasta, como o
vasto mundo.
Por ora, é só, Barbusse. Empenhe-se em não parar de escrever nunca.
Empenhe-se em não parar de escrever. Empenhe-se em não parar.
Empenhe-se.
Um beijo,
Rita.
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