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Página atualizada em 20.07.2000
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Rosana Cássia Kamita
<rosanakamita@onda.com.br>
Biobibliografia 
Poesia
  1. Lágrima
  2. Mágoa
Crítica e ensaio
  1. O HAICAI PEREIRA EM FLOR DE HELENA KOLODY
  2. HELENA KOLODY: A SENSÍVEL PERCEPÇÃO DO MUNDO
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Rosana Cássia Kamita
<rosanakamita@onda.com.br>
MÁGOA
 

A dor cresce em enlevo, sufocando
calmo sorriso não existe mais
cedendo espaço e em seu lugar ficando
sentimentos padecidos jamais

lembranças uma a uma torturando
boas, ruins, semelhantes, desiguais
como as serpentes de Medusa, fatais
à luz inefável do olhar se transformando

O tempo ameniza, eis a verdade.
A dor absoluta de infinito
se transfigura, sim, por caridade

serenando as emoções em conflito.
De quem partiu doce amarga saudade
mágoa perene, coração aflito.
 

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Rosana Cássia Kamita
<rosanakamita@onda.com.br>
LÁGRIMA
 

Penoso verter a lágrima dolorida
contenho o mais que posso, não a choro
tão bem disfarçada em meio à vida
quando as forças se esvaem então imploro

A quem? À alegria perdida?
O quão falsamente ignoro
o castelo de cartas em que moro
onde sorrindo chorei, com a alma sofrida

Vai, despoja sua autocomiseração
as lágrimas são o rio caudaloso
conduzindo a pungente aflição

Com um título grandioso
Rainha da simulada emoção
rendo-me ao rio piedoso.
 

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Rosana Cássia Kamita
<rosanakamita@onda.com.br>
A sensível percepção de mundo

em alguns poemas de Helena Kolody, de 1941 a 1951



Helena Kolody nasceu em 1912 no Paraná. Primogênita de imigrantes ucranianos, ela mesma assim nos conta em seus versos: 

Vim da Ucrânia valorosa,
que foi Russ e foi Rutênia.
Vim de meu berço selvagem,
lar singelo à beira d'água,
no sertão paranaense.
Feliz menina descalça,
vim das cantigas de roda,
dos jogos de amarelinha,
do tempo do "era uma vez..."
Exerceu apaixonadamente a profissão do magistério, a qual foi muito importante para sua formação e para a qual a Escola Nova de certa forma colaborou para seu pioneirismo e arrojo. A Escola Nova foi um movimento eclético e de origens muito complexas, mas é inegável que recebeu certas idéias pedagógicas, como as de Rousseau, que influenciaram uma época e cujos ecos ainda se fazem ouvir. São numerosos os pedagogos que, influenciados pela doutrina do Emílio , contribuíram na renovação dos conceitos e das normas educacionais. Um de seus princípios era o de que se houvesse um interesse vital, criar-se-iam, também, as técnicas próprias para satisfazê-lo: "Emílio aprenderá a ler quando receber cartas e sentir a necessidade de compreendê-las; todo o papel do mestre será ajudá-lo a encontrar os meios de satisfazer essa necessidade." Esse naturalismo pedagógico leva à exaltação da natureza humana, de suas virtudes, sua bondade natural, seu poder; idéias importantíssimas em qualquer época, mas principalmente naquela, tão marcada por rupturas. É autora de numerosos livros, a maioria editada com seus próprios recursos. Antes dos seus livros, no entanto, seus poemas eram publicados em jornais e revistas. Seu primeiro poema intitulava-se "A Lágrima". Ela contava então com 16 anos. Seu primeiro livro publicado intitulava-se "Paisagem Interior", de 1941, e, após esse, muitos outros foram escritos.

A poetisa mostra-se sempre muito sensível em perceber o belo no que aos nossos olhos não passaria de singelo. Lendo seu poema "Infância", o leitor é levado pela sinestesia dos versos e sente-se, por que não dizer, levado a evocações de sua própria infância:

INFÂNCIA (1951)

Pão feito em casa,
Com mel dourado,
Cheirando a favo.
No campo, recendente a camomila.
Alegria de correr até cair.
Do tempo, só se sabia
Que no ano sempre existia
O bom tempo das laranjas
E o doce tempo dos figos...

Seu delicado olhar de poetisa percorre paisagens da natureza guardadas em sua memória, parte de seu cotidiano e que a inspirou em muitos de seus versos. Uma dessas imagens naturais refere-se ao Rio Negro, que aparece em símbolos e imagens em seus versos:
RIO DE PLANÍCIE (1941)

Minha vida é um largo rio de águas mansas

FIO D'ÁGUA (1945)

Não quero ser o grande rio caudaloso
Quero ser o cristalino fio d'água

No início de sua caminhada como poetisa, Helena Kolody deixa-se levar espontaneamente, seus versos refletem seu estado de alma, com tons oníricos e outros telúricos, repletos de vivas tonalidades emocionais. São justamente esses os versos tratados aqui. Sem o apego formal, passam a impressão de um relato de vida, feito de uma maneira extremamente doce, de olhos que perpassam paisagens, situações, sentimentos perante a vida. Em seu relato, ela diz que sempre gostou do novo, do que representava um desafio, que a impulsionava na juventude. Helena Kolody enfatiza a juventude, conta sobre como nessa época os jovens paranaenses se reuniam e liam sobre tudo em jornais e revistas, discutiam sobre o conteúdo dos mesmos e faziam críticas aos respectivos textos. Ressaltou também a importância de se viver com pessoas de sua própria idade. Seus versos encantam quem se deixa tomar pela emoção e coloca de lado, pelo menos por alguns instantes, o ceticismo:
 
SONHAR (1941)

Sonhar é transportar-se em asas de ouro e aço
Num vôo poderoso e audaz de fantasia.

ELOGIO DO POETA (1941)

Quando os homens viram os olhos do poeta,
Acharam em sua luz a luz do próprio olhar
E no seu sonho o próprio sonho refletido.
No ritmo de seu verso, então, reconheceram
A canção que cantariam, se soubessem cantar.

Música submersa, de 1945, traz poemas referentes à desumanidade da II Grande Guerra. Ocorre novamente a identificação da poetisa com a dor alheia, captando a ela e a sua mesma numa simbiose. E como ela mesma afirma, quando se é jovem sente-se com mais intensidade as emoções:
AMPULHETA DA HORA PRESENTE

A hora terrível passa,
Esmagando o coração da humanidade.

Helena Kolody relata um acontecimento que revela o poder da palavra e a responsabilidade gerada por ela. É a história de uma jovem depressiva que tentaria o suicídio. Antes do gesto trágico, abriu o livro que a poetisa lhe dera de presente. Leu um de seus poemas, "Prece", e desistiu de seu intento. Helena Kolody escreveu vários poemas depressivos, mas por sorte não foi um desses o escolhido. Ela diz que depois disso seus poemas se tornaram mais abertos, mais otimistas. O poema "Prece" recebeu duas versões musicais e um "imprimatur" da igreja, e é lido como se fosse uma oração:
PRECE (1941)

Concede-me, Senhor, a graça de ser boa,
De ser o coração singelo que perdoa,
A solícita mão que espalha, sem medidas,
Estrelas pela noite escura de outras vidas
E tira d’alma alheia o espinho que magoa. 

Para ela, o amor ficou sendo só um sentimento, um sonho, e Helena Kolody soube muito bem transformar esses sentimentos em palavras melodiosas, o que levou alguns poemas seus a serem musicados. São versos carregados de um lirismo puro, que embalam reminiscências de amores de outrora (até mesmo a própria palavra tornou-se antiga) quando não era vergonhosa a expressão verdadeira dos sentimentos:
CÂNTICO ( 1941)

A luz do teu olhar é a estrela solitária
Da noite deste amor, que é feito de silêncio.

VITÓRIA ÍNTIMA (1941)

Como a penumbra da noite,
A meditação desceu em seu olhar 
E acendeu dentro de mim a lâmpada serena.

Em 1941 publicou seus primeiros haikais, sendo criticada com os argumentos de que aquilo não era soneto, não tinha rima, não era poesia. Mas gostava de desafios, por isso fazia haikais mesmo sendo criticada. No entanto, a crítica para Guilherme de Almeida já não era tão severa... talvez por ele ter colaborado para o abrasileiramento do haikai, como por exemplo atribuir um título ao terceto, definição de estrutura métrica e utilização de rimas, ou, por que não dizer? Ter composto haikais "parnasianos" .

Não participou do Movimento Modernista por ser retraída, mas buscava sempre manter-se informada e tinha consciência da modernidade de seus versos. Nessa época o Movimento Modernista buscava uma superação dos pressupostos que ancoraram a Semana de Arte Moderna. Alguns poetas já tinham trilhado um caminho diferente dos versos parnasianos, restando, pois, amadurecer as idéias já plantadas.

Em seu livro Música Submersa (1945), figura o haikai "Pereira em flor", o qual foi elogiado por Carlos Drummond de Andrade, que diz ter ficado feliz com poemas como esse, "em que à expressão mais simples e discreta se alia uma fina intuição dos ‘imponderável’ poéticos". Conheça-se o poema: 

PEREIRA EM FLOR (1945)

De grinalda branca,
Toda vestida de luar,
A pereira sonha.

A respeito desse haikai, a poetisa relata como surgiu-lhe a inspiração para escrevê-lo:
"Eu morava na Rua Carlos de Carvalho. Uma noite, ao sair da casa de uma amiga, dei com aquela pereira completamente florescida, banhada pela luz da lua cheia. A beleza do quadro foi um impacto na minha sensibilidade. Fiz o poema bem mais tarde. Associei a pereira com uma noiva: a noiva toda vestida de branco, sonhando, com a pereira ao luar." 
Só voltou ao haikai quando Paulo Leminski descobriu-a como primeira pessoa a fazer este tipo de poesia de origem japonesa no Paraná. Tornou-se "haijin" (pessoa que cultua o haikai), com o nome artístico de Reika, concedido em 1993 pela sociedade japonesa, e que significa "perfume da poesia": 
ARCO-ÍRIS (1941)

Arco-íris no céu.
Está sorrindo o menino
que há pouco chorou.

PRISÃO (1941)

Puseste a gaiola
Suspensa de um ramo em flor,
Num dia de sol.
A poetisa escreveu:

"Antigamente eu me derramava em palavras. Um dia, o Dr. Andrade Muricy, um paranaense que era crítico de arte no Rio de Janeiro, aconselhou-me: ‘Você vai muito melhor no poema curto. Você quer encompridar e, às vezes, você dilui o poema ou se repete. Você tem talento para a síntese’. Daí em diante, comecei a cortar os excedentes, deixando só o sumo, o essencial."
Helena Kolody tem a capacidade de transformar em palavras as imagens captadas em sua existência, e mais, é capaz de reduzir essas mesmas imagens em poucas palavras, sem que elas percam sua magia. Seus haikais são relâmpagos de palavras, rápidos e luminosos. A poetisa consegue unir subjetividade e objetividade, numa viagem de versos repletos de significados. 

Ainda em relação à sua face japonesa, há que se destacar sua incursão no tanka (poema japonês, com a mesma estrutura do haikai, acrescido de mais dois versos heptassílabos). Não pertencem, no entanto, à época aqui estudada. Apenas para que se conheça:

AQUARELA (1993)

Sol de primavera.
Céu azul, jardim em flor.
Riso de crianças.
Na pauta de fios elétricos, 
uma escala de andorinhas.

Foi eleita para a Academia Paranaense de Letras aos oitenta anos de idade e a segunda mulher admitida no fechado círculo masculino. Ainda vive em Curitiba e alega que o sonho continua sendo sua matéria. Por essa alegação percebe-se a grandeza de suas intenções, o quanto acredita que o mundo moderno não possa sufocar os sentimentos mais nobres do ser humano, que apesar das vicissitudes não reduziu-se ainda a um ser robotizado e, espera-se, ainda tenha capacidade para perscrutar os seres e retirar uma essência do belo, na sua acepção mais ampla.

Muitas palavras tão carregadas de sentido na língua portuguesa são massacradas, de tal forma que perdem o sentido, chegando a tornar-se piegas falar em "amor", por exemplo, graças a inábeis escritores, que pela sua falta de talento afugentam os leitores, os quais acabam se tornando traumatizados por este mau uso de palavras muitas vezes tão expressivas. Mas Helena Kolody faz o resgate dessas palavras e pelas suas mãos elas readquirem todo o seu verdadeiro significado.

Ela afirma que "São as palavras que decidem a sorte dos homens e o destino das nações." Portanto, que sua palavra:

CONSOLE

Se a ambição da riqueza te extenua,
Olha o jogo das crianças na calçada.
Somente o jogo é seu, nem tem mais nada...
De riqueza não sei maior que a sua.

(Tesouro, 1951) ENCAMINHE
Sonhar é Ter um grande ideal na inglória lida:
Tão grande que não cabe inteiro nesta vida,
Tão puro que não vive em plagas deste mundo.

                (Terceto final de "Sonhar" , 1941)

E seja uma luz no mundo, um instrumento de paz e fraternidade.
Ensina-me, Senhor, a palavra exata,
A grande palavra reveladora e fecunda
Que devo clamar, clamar e clamar
Para acordar, nos que adormeceram
A consciência do seu destino maior"

(Apelo, 1941) 
Sem dúvida, acredita Helena Kolody no poder da palavra, e o poeta pode ser considerado o "escolhido" para fazer dela um instrumento de transformação do mundo. A responsabilidade é enorme, mas alguns artistas da palavra conseguem levá-la a contento e vão gravando pelo tempo sua idéias que geram novas idéias e assim sucessivamente num trabalho longo, árduo e necessário. Em "Canto místico" (1941), a poetisa confessa a insuficiência da palavra humana e a impotência pessoal diante do poeta máximo, o Universo, e diante de seu poeta, Deus. Seguem-se as duas primeiras estrofes desse poema:
Aqui estou, Senhor, no meio desta nave
Para cantar em teu louvor.
Minha voz é prisioneira da garganta:
Conhece a gama dos sons e não pode cantar.
Há vibrações sonoras em meus nervos.
Mas a voz ausentou-se de meu ser. 
Helena Kolody é sem dúvida alguma um expoente na literatura paranaense, literatura essa que se encaminhou inicialmente de forma tímida. Citemos como exemplo os românticos, que não tiveram ali um público que os pudesse avaliar. No entanto, no Simbolismo escritores e público encontraram-s,e e a partir de então vivencia-se a literatura, que amadurece no Estado. Contudo, não podemos limitar sua obra apenas à esfera onde surgiu. Sua obra é merecedora de destaque em qualquer espaço, seja pelo seu pioneirismo e arrojo já citados, seja pela qualidade de seus versos, seja pelo impulso que promoveu nas letras paranaenses e muitos outros motivos que aqui poderiam ser listados. Portanto, que seus versos sejam lidos, apreendidos, analisados e principalmente, sentidos.
 
 
Referências Bibliográficas

BELLO, Ruy de Ayres. Pequena História da Educação. São Paulo: Editora do Brasil, 1978.

BOSI, Alfredo. História Concisa da Literatura Brasileira. São Paulo: Cultrix, 1994.

Conversas por telefone com D. Helena Kolody.

CRUZ, Antonio Donizeti da. "Tankas e kaicais: uma leitura de Reika, de Helena Kolody".

FRANCHETTI, Paulo. "Guilherme de Almeida e a história do haikai no Brasil".
http://www.angelfire.com

http://www.morretes.pr.gov.br/artistas.htm
KOLODY, Helena. Sinfonia da vida. Organização: Tereza Hatue de Rezende. Curitiba: Letraviva, 1997.

---. Viagem no espelho. Curitiba: Criar, 1988.

LOBO, Luiza. O haikai e a crise da metafísica. Rio de Janeiro, Numen, 1992. 

          NASCIMENTO, Noel. "A propósito de Helena Kolody".

         REBOUL, Olivier. Filosofia da Educação. Tradução e notas de Luiz Penna e J. B. Penna. São Paulo: Nacional, 1978. 

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Rosana Cássia Kamita
<rosanakamita@onda.com.br>

 

ANALISANDO O HAICAI PEREIRA EM FLOR 
DE HELENA KOLODY




A poetisa nasceu em 1912 no Paraná, primogênita de imigrantes ucranianos. Exerceu apaixonadamente a profissão do magistério. É autora de numerosos livros. Antes de seus livros, seus poemas eram publicados em jornais e revistas. Seu primeiro poema intitulava-se  A Lágrima, ela contava então com dezesseis anos. Seu primeiro livro publicado intitulava-se Paisagem Interior, de 1941. Cumpre destacar que já nesta obra são publicados três haicais: Prisão, Arco-íris e Felicidade, que segundo Reinoldo Atem "são os primeiros publicados no Paraná e demonstram sua tendência permanente e contínua para a brevidade reflexiva".
No jornal Diário da Tarde, de 1942 foi publicada uma das primeiras críticas à obra de Helena Kolody, pelo poeta Rodrigo Júnior: 
"Irrefragavelmente, o verso da autora de Paisagem Interior se destaca, com magnífico relevo, exibindo um colorido inédito, um frisson de idéias modernas, na poesia feminil paranaense da hora presente". 
 No entanto, a autora não participou do Movimento Modernista por ser retraída, mas buscava sempre manter-se informada e tinha consciência da modernidade de seus versos. Nessa época o Movimento Modernista buscava-se uma superação dos pressupostos que ancoraram a Semana de Arte Moderna. Muitos poetas já tinham trilhado um caminho diferente dos versos parnasianos, restando, pois, amadurecer as idéias já plantadas. 
 

O haicai é uma forma de poesia japonesa, pequeno poema de três versos, com cinco, sete, e cinco sílabas poéticas sucessivamente.
Com sua escrita icônica, os haikais japoneses têm sua origem no canto, faziam parte de diários de viagem, numa interação prosa/poesia e eram desenhados em um quadro, fazendo parte de um todo plástico.
A concentração verbal dos haicais consegue o máximo efeito estético numa linguagem sintética.
 Em 1941 publicou seus primeiros haicais, sendo criticada com os argumentos de que aquilo não era soneto, não tinha rima, não era poesia. Mas gostava de desafios, por isso fazia haicais, mesmo criticada. 
 Por conta disso, tornou-se "haijin" (pessoa que cultua o haicai), com o nome artístico de Reika, concedido em 1993 pela comunidade nipo-brasileria de Curitiba. O nome é composto por dois ideogramas, Rei e Ka, podendo ser traduzido como "perfume da poesia". O nome Reika sugere, na língua japonesa, algo como um perfume que vai se espalhando pelo ar, cujo aroma é a poesia.
No livro de Helena Kolody Música Submersa (1945), figura o haicai Pereira em Flor, o qual será aqui analisado:

PEREIRA EM FLOR
De grinalda branca,
Toda vestida de luar,
A pereira sonha.
 
 

 Todo poema é basicamente uma estrutura sonora. Observe-se a métrica do haicai Pereira em Flor: 

Verso 1- De/ gri / NAL / da / BRAN / ca, 
Verso 2- To / da / ves / TI / da / de / LUAR,
Verso 3- A / pe / REI / ra / SO / nha.

Não há rima, porém, quando se fala em estrutura sonora, pensa-se no poema como um todo, com sua sonoridade própria. O efeito expressivo, neste caso, é obtido principalmente pelo valor semântico das palavras escolhidas.

De modo geral, a poesia moderna se apóia mais no ritmo do que na rima, sendo muito utilizado o verso branco em metros curtos, como é este o caso.

O ritmo é uma forma de combinar sonoridades. Segundo Antonio Candido: "A idéia de ritmo é muito complexa, e freqüentemente muito vaga. Podemos chamar de ritmo a cadência regular definida por um compasso e, noutro extremo, a disposição das linhas de uma paisagem". 

Por esta definição, evidencia-se a dificuldade em trabalhar o ritmo do poema, mas ele existe. Partindo então da leitura do haicai, percebe-se que há uma alternância de sílabas mais acentuadas e de sílabas menos acentuadas. Algumas se destacam, mais fortes; outras são menos fortes; outras, finalmente, são fracas. Chamando às três modalidades A, B e C, respectivamente, obtém-se o seguinte esquema: 
 1º verso- C - C- A - C - A - C
 2º verso- B - C - C - A - C - C - A
 3º verso-  C - C - B - C - B - C

Percebe-se nos dois primeiros versos a maior incidência de sílabas mais fortes, podendo expressar a admiração por tão bela imagem evocada pela árvore florida. O terceiro verso é composto de sílabas menos fortes e fracas, provavelmente pelo significado do verbo sonhar. Como se passasse do plano da admiração ao plano onírico, a realidade cede lugar à evasão, tranqüila, numa sonoridade que traduz essa calma de um sonho bom.
O ritmo é elemento essencial à expressão estética da palavra, sobretudo num poema, permitindo criar a unidade sonora na diversidade dos sons. O ritmo cria a unidade sonora do verso; as palavras criam a sua unidade conceitual, ou seja, o verso é formado pela integração entre unidade sonora e unidade conceitual.

Consideremos, pois, o verso, unidade do poema.
No haicai Pereira em Flor os versos são brancos, por não apresentarem rimas, e regulares, obedecendo às regras clássicas estabelecidas pela métrica, determinando a posição das sílabas acentuadas em cada tipo de verso. Nos versos de 5 sílabas poéticas temos acentuadas as sílabas 3 e 5. No verso de 7 sílabas a acentuação inside nas sílabas 4 e 7. Portanto, os esquemas rítmicos são os seguintes: E.R. 5 (3-5); E.R. 7 (4-7).

É importante, porém, ressaltar que o haicai não é somente uma experiência verbal, pois além da palavra, o alfabeto de ideogramas (kanji) registra "imagens", enquanto que o alfabeto ocidental registra "idéias/sons". Os haicais japoneses têm, portanto, uma escrita icônica. Tem havido debates, nos meios haicaísticos, sobre as melhores maneiras de verter o haicai para o português, mas ainda não se chegou a um consenso sobre o assunto.
Atente-se ao fato de que as considerações sobre versos, métricas, ritmos, não podem estar desvinculadas do sentido do poema como meio de expressão de idéias. Especificamente quando se fala em haicai, há a intrínseca evocação de uma singela e delicada impressão do mundo e dos seres; às vezes com um ligeiro toque de humor. O fato de o haicai ser um poema curto talvez reflita a necessidade de captar um momento simples, quotidiano, e torná-lo poesia. Nesse sentido, os haicais de Helena Kolody são relâmpagos de palavras, rápidos e luminosos. A poetisa consegue unir objetividade e subjetividade, numa viagem de versos repleta de significados.
 Para Helena Kolody: "Poesia é a transfiguração/ da realidade em beleza,/ pela magia das palavras."

O trabalho criador do poeta consiste num arranjo semântico que apresente ao leitor possibilidades de significado do poema. Para isso o escritor pode lançar mão de alguns recursos, como as figuras de linguagem, por exemplo.
 No haicai Pereira em Flor chama a atenção a personificação da árvore. A linguagem do poema, aparentemente simples, mas altamente elaborada e metafórica, revela uma organização de imagens e associações criativas. A concentração verbal dos haicais de Helena Kolody  alcançam o máximo efeito estético.

Quando a poetisa se refere à  grinalda branca, a primeira imagem evocada é a de uma noiva; no segundo verso ela continua adjetivando a imagem: "Toda vestida de luar", ou seja, vestida com o brilho da lua, e, como já foi dito anteriormente, ela escreve estes dois versos como se estivesse admirada pela beleza da imagem natural (acrescente-se que Helena Kolody comumente insere a natureza em seus versos). No  terceiro e último verso, a árvore aparece como sujeito de um predicado verbal não passível à sua espécie vegetal: sonhar. Como já foi visto no primeiro verso, seria a noiva que sonha. Aí sim, o verbo sonhar estaria pleno de significado. Quem inicia uma  nova etapa da vida sempre está com muitas perspectivas e a figura da noiva presta-se bem como exemplo disso. 
O haicai Pereira em Flor foi elogiado por Carlos Drummond de Andrade, que diz ter encontrado com alegria poemas como esse: "em que à expressão mais simples e discreta se alia uma fina intuição dos 'imponderável' poéticos".

Interessante agora ler o relato da própria poetisa sobre como se inspirou para escrever este poema:

"Eu morava na Rua Carlos de Carvalho. Uma noite, ao sair da casa de uma amiga, dei com aquela pereira completamente florescida, banhada pela luz da lua cheia. A beleza do quadro foi um impacto na minha sensibilidade. Fiz o poema bem mais tarde. Associei a pereira como uma noiva toda vestida de branco, sonhando, como a pereira ao luar." 

Há que se reiterar o que já foi dito: o poema é um arranjo semântico que assume vários significados, como por exemplo o verbo sonhar. Os leitores poderão entendê-lo de várias formas, e aí residem a riqueza e a força da linguagem poética. 

Numa carta à Helena Kolody, Carlos Drummond de Andrade tece a seguinte opinião crítica sobre a obra da poetisa: "Você dominou a arte de exprimir o máximo no mínimo, e com que meditativa sensibilidade!"

Helena Kolody tem a capacidade de transformar em palavras as imagens captadas em sua existência, e mais, é capaz de reduzir essas mesmas imagens em poucas palavras, sem que elas percam a sua magia. No caso do haicai a poetisa tem três versos para condensar e transmitir todo seu sentimento.

Sem dúvida, acredita Helena Kolody no poder da palavra, e o poeta pode ser considerado o "escolhido" para fazer dela um instrumento de transformação do mundo. A responsabilidade é enorme e alguns artistas da palavra conseguem levá-la a contento e vão gravando pelo tempo suas idéias que geram novas idéias e assim sucessivamente num trabalho longo, árduo e necessário. 

BIBLIOGRAFIA

BOSI, Alfredo. História Concisa da Literatura Brasileira. São Paulo: Cultrix, 
1994.
CANDIDO, Antonio. Na Sala de Aula: Caderno de Análise Literária. 3ª ed.
 São Paulo: Ática, 1989.
---. O Estudo Analítico do Poema. São Paulo: FFLCH-USP, 1987.
Conversas por telefone com D. Helena Kolody.
FRANCHETTI, Paulo. "Guilherme de Almeida e a História do Haicai 
no Brasil". 
GOLDSTEIN, Norma. Versos, Sons, Ritmos. Série Princípios. São Paulo: 
 Ática, 1987.
KAMITA, Rosana Cássia. "A Sensível Percepção de Mundo em Alguns 
Poemas de Helena Kolody, de 1941 a 1951". Revista Mulheres e
 Literatura. http://w3.openlink.com.br/nielm/
KOLODY, Helena. Sinfonia da Vida. Curitiba: Letraviva, 1997.
---. Viagem no Espelho. Curitiba: Criar, 1988.

ALGUMAS INFORMAÇÕES
Rosana Cássia Kamita, professora de Português e atualmente curso Mestrado na área de Letras na Universidade Estadual de Londrina, Paraná. [jul/2000]
 

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