ANALISANDO O HAICAI PEREIRA
EM FLOR
DE HELENA KOLODY
A poetisa nasceu em 1912
no Paraná, primogênita de imigrantes ucranianos. Exerceu apaixonadamente
a profissão do magistério. É autora de numerosos livros.
Antes de seus livros, seus poemas eram publicados em jornais e revistas.
Seu primeiro poema intitulava-se A Lágrima, ela contava então
com dezesseis anos. Seu primeiro livro publicado intitulava-se Paisagem
Interior, de 1941. Cumpre destacar que já nesta obra são
publicados três haicais: Prisão, Arco-íris e Felicidade,
que segundo Reinoldo Atem "são os primeiros publicados no Paraná
e demonstram sua tendência permanente e contínua para a brevidade
reflexiva".
No jornal Diário
da Tarde, de 1942 foi publicada uma das primeiras críticas à
obra de Helena Kolody, pelo poeta Rodrigo Júnior:
"Irrefragavelmente, o verso
da autora de Paisagem Interior se destaca, com magnífico relevo,
exibindo um colorido inédito, um frisson de idéias modernas,
na poesia feminil paranaense da hora presente".
No entanto, a autora
não participou do Movimento Modernista por ser retraída,
mas buscava sempre manter-se informada e tinha consciência da modernidade
de seus versos. Nessa época o Movimento Modernista buscava-se uma
superação dos pressupostos que ancoraram a Semana de Arte
Moderna. Muitos poetas já tinham trilhado um caminho diferente dos
versos parnasianos, restando, pois, amadurecer as idéias já
plantadas.
O haicai é uma forma
de poesia japonesa, pequeno poema de três versos, com cinco, sete,
e cinco sílabas poéticas sucessivamente.
Com sua escrita icônica,
os haikais japoneses têm sua origem no canto, faziam parte de diários
de viagem, numa interação prosa/poesia e eram desenhados
em um quadro, fazendo parte de um todo plástico.
A concentração
verbal dos haicais consegue o máximo efeito estético numa
linguagem sintética.
Em 1941 publicou seus
primeiros haicais, sendo criticada com os argumentos de que aquilo não
era soneto, não tinha rima, não era poesia. Mas gostava de
desafios, por isso fazia haicais, mesmo criticada.
Por conta disso, tornou-se
"haijin" (pessoa que cultua o haicai), com o nome artístico de Reika,
concedido em 1993 pela comunidade nipo-brasileria de Curitiba. O nome é
composto por dois ideogramas, Rei e Ka, podendo ser traduzido como "perfume
da poesia". O nome Reika sugere, na língua japonesa, algo como um
perfume que vai se espalhando pelo ar, cujo aroma é a poesia.
No livro de Helena Kolody
Música Submersa (1945), figura o haicai Pereira em Flor, o qual
será aqui analisado:
PEREIRA EM FLOR
De grinalda branca,
Toda vestida de luar,
A pereira sonha.
Todo poema é
basicamente uma estrutura sonora. Observe-se a métrica do haicai
Pereira em Flor:
Verso 1- De/ gri / NAL /
da / BRAN / ca,
Verso 2- To / da / ves /
TI / da / de / LUAR,
Verso 3- A / pe / REI /
ra / SO / nha.
Não há rima,
porém, quando se fala em estrutura sonora, pensa-se no poema como
um todo, com sua sonoridade própria. O efeito expressivo, neste
caso, é obtido principalmente pelo valor semântico das palavras
escolhidas.
De modo geral, a poesia moderna
se apóia mais no ritmo do que na rima, sendo muito utilizado o verso
branco em metros curtos, como é este o caso.
O ritmo é uma forma de
combinar sonoridades. Segundo Antonio Candido: "A idéia de ritmo
é muito complexa, e freqüentemente muito vaga. Podemos chamar
de ritmo a cadência regular definida por um compasso e, noutro extremo,
a disposição das linhas de uma paisagem".
Por esta definição,
evidencia-se a dificuldade em trabalhar o ritmo do poema, mas ele existe.
Partindo então da leitura do haicai, percebe-se que há uma
alternância de sílabas mais acentuadas e de sílabas
menos acentuadas. Algumas se destacam, mais fortes; outras são menos
fortes; outras, finalmente, são fracas. Chamando às três
modalidades A, B e C, respectivamente, obtém-se o seguinte esquema:
1º verso- C -
C- A - C - A - C
2º verso- B -
C - C - A - C - C - A
3º verso-
C - C - B - C - B - C
Percebe-se nos dois primeiros
versos a maior incidência de sílabas mais fortes, podendo
expressar a admiração por tão bela imagem evocada
pela árvore florida. O terceiro verso é composto de sílabas
menos fortes e fracas, provavelmente pelo significado do verbo sonhar.
Como se passasse do plano da admiração ao plano onírico,
a realidade cede lugar à evasão, tranqüila, numa sonoridade
que traduz essa calma de um sonho bom.
O ritmo é elemento
essencial à expressão estética da palavra, sobretudo
num poema, permitindo criar a unidade sonora na diversidade dos sons. O
ritmo cria a unidade sonora do verso; as palavras criam a sua unidade conceitual,
ou seja, o verso é formado pela integração entre unidade
sonora e unidade conceitual.
Consideremos, pois, o verso,
unidade do poema.
No haicai Pereira em Flor
os versos são brancos, por não apresentarem rimas, e regulares,
obedecendo às regras clássicas estabelecidas pela métrica,
determinando a posição das sílabas acentuadas em cada
tipo de verso. Nos versos de 5 sílabas poéticas temos acentuadas
as sílabas 3 e 5. No verso de 7 sílabas a acentuação
inside nas sílabas 4 e 7. Portanto, os esquemas rítmicos
são os seguintes: E.R. 5 (3-5); E.R. 7 (4-7).
É importante, porém,
ressaltar que o haicai não é somente uma experiência
verbal, pois além da palavra, o alfabeto de ideogramas (kanji) registra
"imagens", enquanto que o alfabeto ocidental registra "idéias/sons".
Os haicais japoneses têm, portanto, uma escrita icônica. Tem
havido debates, nos meios haicaísticos, sobre as melhores maneiras
de verter o haicai para o português, mas ainda não se chegou
a um consenso sobre o assunto.
Atente-se ao fato de que
as considerações sobre versos, métricas, ritmos, não
podem estar desvinculadas do sentido do poema como meio de expressão
de idéias. Especificamente quando se fala em haicai, há a
intrínseca evocação de uma singela e delicada impressão
do mundo e dos seres; às vezes com um ligeiro toque de humor. O
fato de o haicai ser um poema curto talvez reflita a necessidade de captar
um momento simples, quotidiano, e torná-lo poesia. Nesse sentido,
os haicais de Helena Kolody são relâmpagos de palavras, rápidos
e luminosos. A poetisa consegue unir objetividade e subjetividade, numa
viagem de versos repleta de significados.
Para Helena Kolody:
"Poesia é a transfiguração/ da realidade em beleza,/
pela magia das palavras."
O trabalho criador do poeta
consiste num arranjo semântico que apresente ao leitor possibilidades
de significado do poema. Para isso o escritor pode lançar mão
de alguns recursos, como as figuras de linguagem, por exemplo.
No haicai Pereira
em Flor chama a atenção a personificação da
árvore. A linguagem do poema, aparentemente simples, mas altamente
elaborada e metafórica, revela uma organização de
imagens e associações criativas. A concentração
verbal dos haicais de Helena Kolody alcançam o máximo
efeito estético.
Quando a poetisa se refere à
grinalda branca, a primeira imagem evocada é a de uma noiva; no
segundo verso ela continua adjetivando a imagem: "Toda vestida de luar",
ou seja, vestida com o brilho da lua, e, como já foi dito anteriormente,
ela escreve estes dois versos como se estivesse admirada pela beleza da
imagem natural (acrescente-se que Helena Kolody comumente insere a natureza
em seus versos). No terceiro e último verso, a árvore
aparece como sujeito de um predicado verbal não passível
à sua espécie vegetal: sonhar. Como já foi visto no
primeiro verso, seria a noiva que sonha. Aí sim, o verbo sonhar
estaria pleno de significado. Quem inicia uma nova etapa da vida
sempre está com muitas perspectivas e a figura da noiva presta-se
bem como exemplo disso.
O haicai Pereira em Flor
foi elogiado por Carlos Drummond de Andrade, que diz ter encontrado com
alegria poemas como esse: "em que à expressão mais simples
e discreta se alia uma fina intuição dos 'imponderável'
poéticos".
Interessante agora ler o relato
da própria poetisa sobre como se inspirou para escrever este poema:
"Eu morava na Rua Carlos de
Carvalho. Uma noite, ao sair da casa de uma amiga, dei com aquela pereira
completamente florescida, banhada pela luz da lua cheia. A beleza do quadro
foi um impacto na minha sensibilidade. Fiz o poema bem mais tarde. Associei
a pereira como uma noiva toda vestida de branco, sonhando, como a pereira
ao luar."
Há que se reiterar o
que já foi dito: o poema é um arranjo semântico que
assume vários significados, como por exemplo o verbo sonhar. Os
leitores poderão entendê-lo de várias formas, e aí
residem a riqueza e a força da linguagem poética.
Numa carta à Helena Kolody,
Carlos Drummond de Andrade tece a seguinte opinião crítica
sobre a obra da poetisa: "Você dominou a arte de exprimir o máximo
no mínimo, e com que meditativa sensibilidade!"
Helena Kolody tem a capacidade
de transformar em palavras as imagens captadas em sua existência,
e mais, é capaz de reduzir essas mesmas imagens em poucas palavras,
sem que elas percam a sua magia. No caso do haicai a poetisa tem três
versos para condensar e transmitir todo seu sentimento.
Sem dúvida, acredita
Helena Kolody no poder da palavra, e o poeta pode ser considerado o "escolhido"
para fazer dela um instrumento de transformação do mundo.
A responsabilidade é enorme e alguns artistas da palavra conseguem
levá-la a contento e vão gravando pelo tempo suas idéias
que geram novas idéias e assim sucessivamente num trabalho longo,
árduo e necessário.
BIBLIOGRAFIA
BOSI, Alfredo. História
Concisa da Literatura Brasileira. São Paulo: Cultrix,
1994.
CANDIDO, Antonio. Na Sala
de Aula: Caderno de Análise Literária. 3ª ed.
São Paulo:
Ática, 1989.
---. O Estudo Analítico
do Poema. São Paulo: FFLCH-USP, 1987.
Conversas por telefone com
D. Helena Kolody.
FRANCHETTI, Paulo. "Guilherme
de Almeida e a História do Haicai
no Brasil".
GOLDSTEIN, Norma. Versos,
Sons, Ritmos. Série Princípios. São Paulo:
Ática, 1987.
KAMITA, Rosana Cássia.
"A Sensível Percepção de Mundo em Alguns
Poemas de Helena Kolody,
de 1941 a 1951". Revista Mulheres e
Literatura. http://w3.openlink.com.br/nielm/
KOLODY, Helena. Sinfonia
da Vida. Curitiba: Letraviva, 1997.
---. Viagem no Espelho.
Curitiba: Criar, 1988.
ALGUMAS INFORMAÇÕES
Rosana Cássia Kamita,
professora de Português e atualmente curso Mestrado na área
de Letras na Universidade Estadual de Londrina, Paraná. [jul/2000]
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