Rodrigues de Abreu
Mar Desconhecido
A Batista Pereira
					Se eu tivesse tido saúde, rapazes, 
					não estaria aqui fazendo versos. 
					Já teria percorrido todo o mundo.
					A estas horas, talvez os meus pés estivessem quebrando 
					o último bloco de gelo 
					da última ilha conhecida de um dos pólos.
					Descobriria um mundo desconhecido, 
					para onde fossem os japoneses 
					que teimam em vir para o Brasil... 
					Porque em minha alma se concentrou 
					toda a ânsia aventureira 
					que semeou nos cinco oceanos deste mundo 
					buques de Espanha e naus de Portugal! 
					Rapazes, eu sou um marinheiro!
					Por isso em dia vindouro, nevoento,
					porque há de ser sempre de névoa esse dia supremo, 
					eu partirei numa galera frágil 
					pelo Mar Desconhecido.
					Como em redor dos meus antepassados 
					que partiram de Sagres e de Palos, 
					o choro estalará em derredor de mim.
					Será agudo e longo como um uivo, 
					o choro de minha tia e minha irmã.
					Meu irmão chorará, castigando, entre as mãos, o pobre 
					rosto apavorado.
					E até meu pai, esse homem triste e estranho, 
					que eu jamais compreendi, estará soluçando, 
					numa angústia quase igual à que lhe veio, 
					quando mamãe se foi numa tarde comprida...
					Mas nos meus olhos brilhará uma chama inquieta.  
					Não pensem que será a febre.
					Será o Sant Elmo que brilhou nos mastros altos 
					das naves tontas que se foram à Aventura.
					Saltarei na galera apodrecida, 
					que me espera no meu porto de Sagres, 
					no mais áspero cais da vida.
					Saltarei um pouco feliz, um pouco contente, 
					porque não ouvirei o choro de minha mãe.  
					O choro das mães é lento e cansado.
					E é o único choro capaz de chumbar à terra firme
					o mais ousado mareante.
					Com um golpe rijo cortarei as amarras.  
					Entrarei, um sorriso nos lábios pálidos, 
					pelo imenso Mar Desconhecido.  
					Mas, rapazes, não gritarei JAMAIS!
					não gritarei NUNCA! não gritarei ATÉ A OUTRA VIDA!  
					Porque eu posso muito bem voltar do Mar Desconhecido, 
					para contar a vocês as maravilhas de um país estranho.  
					Quero que vocês, à moda antiga, me bradem BOA VIAGEM!, 
					e tenham a certeza de que serei mais feliz.
					Eu gritarei ATÉ BREVE!, e me sumirei na névoa espessa, 
					fazendo um gesto carinhoso de despedida.
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