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Os infernos de Raul Pompéia
Raul Pompéia, de Camil Capaz. Editora Gryphus,
255 páginas. R$ 23
Se a posteridade reservou a Raul Pompéia, caprichosamente, um lugar aquém do seu talento de escritor, resta-nos o consolo de saber que a posteridade não é eterna, e sempre há chance de corrigir os seus enganos. Agora, os menos versados neste grande prosador brasileiro podem conhecê-lo melhor, com a leitura de “Raul Pompéia — Biografia”, de Camil Capaz, pela qual se pode vislumbrar o percurso do literato que se enquadra na definição, feita por Hermann Broch, do verdadeiro artista: é o homem contrário à totalidade do seu tempo — e não contra esse ou aquele aspecto adventício, mas contra o todo simbólico representado pela mentalidade da sua época, imagem unitária que só ele possui do tempo. E acrescentemos que, colocando-se invariavelmente contra o tempo presente, o artista é, a fortiori, contrário a todos os tempos históricos, e isto não implica dizer que seja um panfletário, em absoluto. Seu olho foi vazado pelas sombras da eternidade. Da pena do atormentado escritor fluminense saiu uma das obras-primas da nossa literatura, “O Ateneu”, cuja estrutura alguns críticos (como Massaud Moisés, por exemplo) compararam aos círculos do Inferno dantesco. Ressalte-se, porém, a diferença de perspectiva: Dante observa os condenados como visitante do mundo das trevas, conduzido pela mão do cicerone-poeta Virgílio; já o menino Sérgio, espécie de alter-ego de Pompéia, sofre ele próprio as dores do inferno onde é abandonado pelo pai. Dante testemunha a dor infinita dos pecadores, e indica o primeiro passo para nos elevarmos: enxergar o mal que nos habita; Pompéia sofre e mostra que, pelo sacrifício, a purificação é possível. Não é à toa que o Ateneu arde em chamas no fim do livro, queimado por um fogo sacrificial. Mas o que emana desse fogo do internato é, paradoxalmente, o calor medonho da esfera mais baixa da maldade e, também, o aconchego do espírito iluminado pela vida. Um espírito liberto. Camil Capaz revela em seu livro facetas de Raul Pompéia pouco conhecidas da maior parte do público, como o trabalho de caricaturista, desenhista e chargista, as contribuições nos periódicos da imprensa carioca, a preocupação com a pedagogia então imperante nas escolas brasileiras (de palmatória e outros castigos mais cruéis), a defesa do abolicionismo, os pruridos da hipersensibilidade que acabou por levar Pompéia ao suicídio. Além de ser bem escrito e ter como base uma acurada pesquisa em jornais de época, livros de crítica literária e biografias precedentes, o trabalho de Capaz mostra o quanto é falsa a contradição entre distanciamento crítico e amor pelo objeto estudado: em sua escrita, o biógrafo não esconde a admiração pelo biografado, e o resultado final é um ótimo livro. Biógrafo conta a rocambolesca história do duelo com Olavo Bilac Como não poderia deixar de ser, Capaz nos conta a rocambolesca história do duelo entre Raul Pompéia e Olavo Bilac, que também não passara despercebida de Raimundo Magalhães Jr. (em sua biografia sobre Bilac) e de Eloy Pontes, autor de “A vida inquieta de Raul Pompéia”, hoje difícil de ser encontrado mesmo em sebos. A desavença teve início após um artigo em que o príncipe dos poetas parnasianos criticava severamente Pompéia, a quem acusava de estar sendo cooptado pelo governo florianista, ao aceitar emprego como professor de mitologia da Escola de Belas Artes, num momento de muitas incertezas políticas. Nesse texto cruel, Bilac parte para as agressões pessoais e diz que Pompéia “se masturba e gosta de, altas horas da noite, numa cama fresca, à meia-luz de veilleuse mortiça, recordar, amoroso e sensual, todas as beldades que viu durante o seu dia”. A reação violenta de Pompéia ao que considerou uma infâmia veio no desafio feito a Bilac, depois de se esbofetearem um dia, sob juras de vingança; para resolver a questão, duelariam. O episódio de capa & espada teve um fim bufo. Afiados os floretes, em vez de lavarem a honra com sangue, conforme o prometido, após lisonjeiro discurso do árbitro da luta, os escritores consentem em se dar um constrangido aperto de mãos, sob o olhar de várias testemunhas — privadas de ver dois espadachins medíocres em ação. E diga-se que, na véspera do encontro, Pompéia treinara alguns rudimentos da esgrima, interrompendo os floreios a toda hora em que lhe caía o pincenê do nariz. Capaz informa ainda que, de índole trágica, Pompéia saiu deprimido com o final daquela encenação ridícula, deixando preocupadas a mãe e as irmãs, conhecedoras das suas habituais crises nervosas. Numa dessas crises, tempos depois ele matou-se com um tiro no peito. O pano de fundo de “Raul Pompéia — Biografia” são os fatos da política nacional, dos estertores da monarquia às sublevações e às imprevistas conturbações do primeiro período republicano. Nesse contexto, o autor de “O Ateneu” participa ativamente dos debates sobre os principais acontecimentos do país, pela imprensa. O panorama descrito leva-nos a conhecer mais de perto a relação de Pompéia com o seus confrades escritores, com intelectuais e homens públicos — entre eles Capistrano de Abreu, Pardal Mallet, Raimundo Correia, Lúcio de Mendonça, Joaquim Nabuco, Luís Murat e outros. Há também no livro referências às obras esparsas de Raul Pompéia, como a composição juvenil “Uma tragédia no Amazonas”, a sátira “As jóias da Coroa” e as “Canções sem metro”, estas últimas tidas como precursoras do verso livre no Brasil, onde o rigor da métrica parnasiana dominava por completo a cena poética. |
In O Globo, Literatura, 11.08.2001 |
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Raul Pompéia (Raul de Ávila Pompéia), jornalista,
contista,
cronista, novelista e romancista, nasceu em Jacuecanga, Angra dos Reis, RJ, em 12 de abril de 1863, e faleceu no Rio de Janeiro, RJ, em 25 de dezembro de 1895. É o patrono da Cadeira n. 33, por escolha do fundador Domício da Gama.
Era filho de Antônio de Ávila Pompéia, homem de
Em 1881 começou o curso de Direito em São
Reprovado no 3o ano (1883), seguiu com 93
Decretada a abolição, em que se empenhara,
A posição de Raul Pompéia na literatura brasileira
Obras: Uma tragédia no Amazonas, novela
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Page na ABL: http://www.academia.org.br/cads/33/raul.htm |