O poeta não abre exceções, não as admite; a liberdade é indivisível e para todos, ou não é liberdade. Ela é o fundamento de todos os atos do ser humano a se construir no meio das coisas:
E ao não te sobrar mais nada
pressentindo ter-se ido
a LIBERDADE
arranca a primeira pedra da calçada
e luta
pela única razão que vale a pena.
Esses pensamentos centrais sobre a liberdade, porém, só fazem sentido poético se completados pelas questionantes noções de infinitude, morte, mistério e necessidade de conscientização. Elas é que completam qualquer poética autenticamente voltada para servir ao socialismo, distanciando-se assim da farsa desses escribas em verso que se dizem "poetas engajados", mas que, por ignorância e carreirismo, descambam para um panfletarismo que falseia a realidade, e que, portanto, mente, e que, por mentir, é também politicamente um equívoco e um erro, pois o poeta sabe que:
O poema há de levar
a direção pensada e fria
da consciência
dos que não têm dias
nem mar, nem sol, mas má ração.
Mas mergulhar no insondável nunca é demais:
Cai do queixo a interrogação
tatuada nos rostos de abismo.
Rosto de abismo: inútil olhar a superfície apenas, as aparências da vida. Há que mergulhar – e a poesia e o amor ensinam isso – até sentirmos a profundidade das raízes na história de cada ato ou omissão do homem.
E é também com profunda beleza estética que ele prossegue:
Olha como se amam as borboletas
que fiam corpos vivos no mistério
e não dizem versos
porque fazem vôos.
Subentendida, a compreensão de que os versos nascem do não voou, embora devesse ser a asa bonita do que eleva o ser humano. Ética e estética não se separam: eis o ensinamento.
Eu poderia alongar este texto com a citação de vários outros fragmentos de uma poesia bela, em muitos momentos, porque feita com a fidelidade à arte que é a encarnação da palavra como corpo elaborado de autenticidade no sentir que não é conceituável e é, no entanto, a própria respiração dos sonhos em que se move o melhor do nosso estar-no-mundo como formas de amor e da liberdade.
Deixo aos leitores, porém, o encantamento desse trabalho.
MOACYR FÉLIX é filósofo, advogado, e foi editor das revistas
Civilização Brasileira; Paz e Terra; e Encontros com a Civilização
Brasileira. Poeta, integra a Geração de 45. É autor de Cubo de Trevas
(1948), Lenda eAreia (1950), Itinerário de uma Tarde (1953), Pão e Vinho
(1959), Canto para as Transformações do Homem (1964), Um Poeta na
Cidade e no Tempo (1966), Canção do Exílio Aqui (1977), Neste Lençol
(1977), Invenção de Crença e Descrença (1978), Em Nome da Vida (1981).
Atualmente é editor-adjunto da revista Poesia Sempre (RJ).