A poesia não é nada senão uma das tantas tentativas desesperadas de ordenar e significar o mundo. Nos versos de Verbo Encarnado, podemos vislumbrar essa tentativa desesperada de compreender o homem e o mundo:
Que sentido tem o céu?
Tingir os olhos de azul.
Deixar voar qualquer asa.
[...]
Que sentido tem o homem?
[...]
Homem, o homem terá sentido?
(VE, p. 41)
No entanto, o Verbo não se limita apenas a construir uma semântica da vida. Ele também se torna um eficaz instrumento de denúncia, uma arma que tem por objetivo o lançar-se e ferir as consciências:
A palavra há de trazer
o peso do chumbo
a quentura
a explosão do peito
enquanto o amor
não for reconhecido.
(VE, p. 21)
A poesia de Roberto Pontes vergasta e acalenta. A leitura de cada verso perpassa paradoxalmente o desconforto e o consolo. Há uma crítica mordaz a todo tipo de opressão e de miséria. Quando o poeta se apropria da gemedeira – forma popular nordestina – é evidente que sua intenção além de valorizar a cultura do Nordeste – é a de colocar em foco a condição miserável das vendedoras de flores do Ceará. Assim, a gemedeira representa a dor e o sofrimento dessas mulheres. E o que aparece de mais belo no lamento da florista é a maneira como seu trabalho é descrito:
Florista fabrica flores
e seu ritual de rua
é um bailado sem som
um triste cantar de loa...
(VE, p. 31)
A poesia oferece ao leitor a imagem triste dessas singulares mulheres que são tão frágeis e belas quanto as flores que produzem. Nesse momento, a sensação de desconforto é inevitável: o leitor não consegue permanecer isento de certa culpa. Entretanto, logo em seguida, após a chamada de consciência para os problemas sociais, o poeta vem afagar e consolar o leitor, porque o sonho ainda é possível: "o amanhã é sempre diferente" (VE, p. 55):
Não desesperes nunca.
A vida é asssim mesmo.
Um dia para a dor
Um outro pra esperança.
(VE, p. 55)
O poeta acredita que o mundo possa renascer, mas, antes de tudo, deve "merecer o flagelo". Somente a dor é capaz de libertar o homem dos mecanismos de opressão que ele próprio constrói. Para isso importa desconstruir o mundo para reconstruí-lo, de tal modo, que o homem, em sua breve existência reconheça a relevância de transformar a sociedade, a fim de que a felicidade não seja somente privilégio de poucos que detêm o poder pelo poder – como nos admoesta Aristóteles – e sim patrimônio dos corações mais puros e das inteligências mais brilhantes.
MARGARIDA MARIA MOREIRA RODRIGUES é do Curso de Letras
da Universidade do Estado do Rio de Janeiro–UERJ. Participa do
Núcleo de Literatura Comparada e colabora no jornal Comunicando
do Instituto de Letras da mesma Instituição.