Primeiro
Movimento
O Cometa
[...] porque o presente é todo
o passado e todo o futuro
e há Platão e Virgílio
dentro das máquinas
e das luzes eléctricas
só porque houve outrora e
foram
humanos Virgílio e Platão,
e pedaços do Alexandre Magno
do século talvez cinqüenta,
átomos que hão-de ir
ter febre
para o cérebro do Ésquilo
do século cem [...]
Antônio Fernando, in Ode Triunfal
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Ésquilo, o teu cometa acabou de passar por nós,
deixou avisado que voltará;
século cem, para receber o Ésquilo
do Século Cem,
de Ésquilo a Ésquilo
(siglo — isto é uma profecia).
— Existiria o tempo?
— Existiria o homem?
Que diferença faria eliminar
trinta e três ou até mais, tanto faz,
50 séculos, 55, pois
os ciúmes, os ódios,
os aleitamentos, os teus olhos tristes, meu amor:
coisas de sobrar, o que a mais haveria?
Sobrariam alguns riscos nas paredes,
galerias de Altamira,
Piracuruca; uma boneca de plástico
de braço arrancado,
na maré vem-e-vai de Long Island; sobrariam
talvez umas esporas
de prata,
minhas;
uns dentes de ouro, do meu negro negreiro;
o meu canto sobraria, o meu gibão de couro —
porque só a arte fica —,
porque os profetas ficam... e voltam...,
as bonecas morrem e se saciam.
De onde vem, meu senhor Coronel?
Boa-noite!
Não reconhece o seu negro-moleque
por quem pagou uma partida de farinha
e carne-seca?
Sou eu, Coronel,
seu eterno moleque Salomão e suas queixas
dos três outros moleques
extraviados de minha escolha!
Ah, Salomão, meu negro,
salve a alegria de te ver, Deus te abençoe!
Dentro da bruma dos olhos baços,
porque a aurora do Século Cem pertence
ao cometa Hale-Bopp;
isto também não tem nenhuma importância
depois dos moleques que me perdeste errado;
os tempos me confundem, não há tempo,
há todo o tempo, um tempo só:
o Século Cem,
de Ésquilo.
Coronel, do primeiro moleque a culpa minha
é pequena, já lhe contei cem vezes:
chegaram os homens do Norte e botaram
preço,
mais panos-da-costa,
mais rum, mais panos eles botaram,
e o traficante desfez a venda
embarcada e mandou descer os negros, fortes;
as negras, belíssimas,
que jamais escolhi diferente;
no meio das negras jovens,
da minha escolha, a escolha do Capitão,
os dentes risonhos, os gestos de chã,
desceu, meu Coronel,
no meio delas, o tal negrinho desceu,
que o senhor nunca deixou de reclamar;
que depois me disseram,
disseram também ao senhor,
o molequinho bailava,
bailava de beija-flor.
Mera questão de preço, Coronel,
não pude pagar
do dinheiro que o senhor me deu;
os gringos pagaram,
ainda botaram preço
em mim, como se eu soubesse trair,
que nunca traí;
eles levaram, me levariam também.
Voltei,
as mãos abanavam,
o senhor me reclama,
80 séculos que me reclama, Coronel!
(O abraço à minha madrinha!).
E os outros dois moleques, Salomão,
por que os vendeste?
Dos outros dois, Coronel, um tossia demais;
o outro começava a aleijar, e o troquei;
foi numa troca de burros que viajou às Geraes,
o negrinho aleijava, viajou e ficou.
E aleijou.
O mais mofino, Coronel, troquei num jogo de malas,
das suas viagens para as Europas, muitas;
o negrinho da tosse foi metido a remos
no rumo do Sul, estrelas do Cruzeiro,
lugar Desterro, parece que foi,
Desterro, faz tempo, Coronel!
Era falador o moleque, Coronel, mesmo mofino;
tossia, o moleque tossia;
o senhor me perdoe, qu’eu me enganei,
porque tossir, o Menino também tossiu.
E nem por isso