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Um esboço de Da Vinci

 

 

Soares Feitosa

Jornal de Poesia

 

Salomão

 

Terceiro Movimento:

Em língua teuta

 

Temi, Salomão, que um dia o Século 
de Ésquilo 
se escrevesse em língua bárbara,
porque os rapazes do Reno ousavam 
todo o ouro do Reno
e erigiam na noite dos deuses 
um punho de ódio;
crepúsculo;
eles arrogavam de mil anos; aurora: 
                era crepúsculo.

Berlim! 
1936!
Eu te vi lá, negro! 


O Capitão, 
orgulho da minha escolha, 
ao pé da montanha de pedras,
erigida em muralha do teu pulso altivo:

uma vitória, 
duas vitórias, três vitórias,
quantas vitórias fossem, ganharias todas;

e o tirano bateu em retirada 
sob o grito dos teus olhos;
os campeões de tapioca 
tombaram, um a um, 
sob o ódio do teu pulso!
 

Estrugiam as fanfarras, 
Wagner tocava...
à tua “derrota” Capitão. 
 

Toda a orquestra em silêncio, 
era para ti, Capitão!
Contra tuas vitórias, 
ao silêncio do teu pulso, todo o silêncio.
 

Sob o olhar assombrado das Valquírias,
todo o ouro do Reno, no punho fechado, 
de puro ódio, fechado — caladas —, 
à mordaça do teu punho, fechado!
Capitão Jesse “Wotan” Cleveland Owens.
 

Porque todo o ouro do Reno, de suas peles
alvíssimas, aquele ouro tivera 
destino de partida, um dia, Jesse; 
teve destino de chegada, outro dia, Cassius;
tu foste lá entregá-lo, Apolo-Estafeta, 

todo o ouro: 
           Berlim-Atlanta!


E um negro trêmulo, 
como se fosse uma vara verde, daquelas de açoitar negro,
e acendias a tocha do fogo grego,
e as medalhas de todo o ouro do Reno
pendiam de teu peito largo,
de teu sorriso pendiam, e a teus pés pendiam 
todos os que um dia: 

Auschwitz-Birkenau... 
Arbeit Macht Frei
“O trabalho traz a liberdade”

era o selo-sinal à Porta Inferi —

     Rudolf, Adolf — quem é Rudolf? 


Que deles é deles?

Resta, 
restam, 
hão de restar: 
o Capitão negro, Jesse — 
o Capitão negro, Cassius: 

Não vou, Coronel, não vou brigar
contra quem
jamais me fez mal; tomem, 
eu devolvo!

E o negro bailava nas sapatilhas:
— Sou o homem  mais bonito do universo!
O tagarela, o borboleta... 

Tomem de volta a medalha,
os títulos que conquistei, tomem...


(Preso?) Isto não tem importância... 

Quem é livre-de-dentro-de-si 
jamais é preso, em si!

O soco do Capitão era 
de-pluma-e-de-vulcão:
47 segundos, 
nocaute em Sonny Liston.

No auge, toda a fama, todo o ouro
aos pés do Capitão, toda a orquestra,
Valquírias mil, 
ele disse:  — “Não vou!”.
(Os meros outros só dizem que sim).

Mas não te esqueças, Capitão,
a estirpe é esta, bem mais larga: 
Rosa, 
a estirpe rosa, de raiz e flor, 
sentada estava, sentada ficou,
uma mulher e era negra, 
borraram-lhe os dedos 
de tinta
negra; 
o carcereiro não supunha — aquele papel imundo 
dos dedos da negra
valesse muito mais 
que toda a Carta do Mundo —
Rosa, a estirpe Rosa;
a Suprema Corte disse: 

              — Sim, minha Senhora, raiz e flor.


E mais um, Luther, brigou a briga inteira;
o outro  era um branco, 
era padre e disse que ia primeiro,
que precisava ir à frente, 
era Kolbe; e a jovenzinha  anotava tudo, 
[...]
— o caderno, talvez um álbum —
Ana,
Ana Francisca; foram na frente, à nossa frente, 
eles, os primeiros, 
da estirpe dos que dizem “não!”,
dos que na frente vão
                   ao Século Cem, de Ésquilo!

À estirpe, Capitão!
           Dona Rosa, 
           o padre, 
           a jovenzinha, 
           esta parelha de negros:

Traze deles, sim,
traze só deles, Capitão!
Dos que à frente vão,
dos que só sabem ir à frente,
dos que precisam ir à frente,
dos que vão ao não!
À frente, 
o Capitão Cassius Marcellus “Millennium” Clay!

Olimpicamente 
ao Século Cem,
de Ésquilo.


— Vai, negro, o veleiro é teu!

 

 

Tiziano, O sagrad e o profano

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Tiziano, O sagrado e o profano

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