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            Sandra Regina S. Baldessin 
   A vingança dos objetos
 
 I
 
 na moringa
 sobrevive o
 calor das nossas
 bocas
 
 nenhuma água
 aplacava
 nossa sede.
 
 II
 
 não guardei
 flores secas
 entre páginas
 da pele
 
 alvejei
 braços e pernas
 
 teu perfume
 já não é
 música
 para o meu
 nariz.
 
 III
 
 alforriei
 os teus canários
 primeiro
 depois
 soltei os laços
 do vestido
 voei
 
 IV
 
 não um poema
 que te cantasse
 árvore pedra sino
 antes um poema
 que calasse
 os rubis
 na tua boca
 de silêncio
 e fome
 um poema
 que se negasse
 
 V
 
 no corpo
 verde da árvore
 à sombra petrificados
 os nossos corpos
 letras abraçadas
 dentro do
 coração
 
 VI
 
 não sobrevivemos
 à árvore que
 se demora
 assombrados
 de prematuros
 agoras.
 
 VII
 
 já foi sangue
 a saudade e
 vinho e
 carne maturada
 já foi tango
 e fome
 
 hoje é
 esse retrato
 desencarnado que
 não me vê.
 
 VIII
 
 a cidade
 interminável
 rua história rio
 e nós
 desatados navegando
 escuros pomares.
 
 IX
 
 a cidade já
 não procura nossas
 esquinas
 páginas virgens
 onde
 nos escrevemos
 beijos
 
 X
 
 guardou-nos
 o retrato
 
 (como a cidade
 cresceu!)
 
 inútil procurar-nos
 no enredo das
 esquinas
 
 as avenidas
 orfanadas
 de nossa sede
 pendem secas
 dos nossos olhos
 
 XI
 
 antes
 a tua boca
 rompendo manhãs
 depois
 rompida a costura
 das noites dias
 fraturados.
 
 
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