Sergio Amaral Silva
Lívia, agora contista
04.06.2005
Tendo iniciado sua carreira de
ficcionista em 1995, nascida no Rio de Janeiro e formada em
Psicologia, Lívia Garcia-Roza chega aos dez anos de literatura. Isso
torna oportuno, antes de comentar seu sétimo livro individual, o
primeiro de contos, fazer uma breve retrospectiva de sua trajetória.
Em seu romance de estréia, Quarto de
menina, Lívia criou uma espécie de história infantil para adultos,
enfocando o universo de uma garota. A temática feminina ressurgiria
em 1997, com Meus queridos estranhos, romance psicológico em tom
confessional sobre os relacionamentos da mulher contemporânea, como
os conflitos mãe-filha. Cartão postal, de 1999, demonstra uma autora
segura, ao manipular antigas lembranças familiares.
A protagonista do romance Cine Odeon,
de 2001, é uma adolescente que vive as dores e delícias de sua
idade, personagem com linguagem própria e bem construída por Lívia.
Pelo tema abordado, este é considerado pela escritora seu livro de
maior impacto. O ponto de vista da mulher afetivamente insatisfeita,
que passa a buscar um novo sentido para a vida, aparece em Solo
feminino, novela que saiu em 2002. A palavra que veio do sul, de
2004, sua mais recente experiência como romancista, relata a vida de
uma menina e sua convivência com a mãe.
Caracteriza-se assim uma obra
literária com enfoques temáticos preferenciais, claramente
delineados. “A marca registrada da autora é inconfundível: em todas
as suas novelas, o universo ficcional em que o leitor é envolvido é
o da cena psíquica da personagem narradora – “assim mesmo, no
feminino, não por purismo, mas porque à exceção do menino João (em
Cartão postal), as outras histórias são conduzidas por mulheres”,
nas palavras de Maria Rita Kehl. Lívia é psicanalista, o que acaba
por influir favoravelmente em sua literatura. Esta, no entanto, não
se confunde com a mera transposição de vivências clínicas, guardando
marcas de estilo que refletem nesta primeira aventura como solista
na ficção mais curta.
Dos 25 contos reunidos no presente
volume, seis já haviam sido publicados em coletâneas como Boa
companhia (2003) ou 25 mulheres que estão fazendo a nova literatura
brasileira (2004). Há um renascimento do gosto pelo conto no Brasil:
leitura rápida e que exige pouco envolvimento, adequada a nosso
tempo. A principal característica da literatura brasileira atual é a
diversidade, que inclui aspectos como linguagem e estruturas
narrativas. Nesse contexto, pode-se constatar que a autora vem se
firmando como uma das boas vozes da ficção contemporânea no Brasil.
Um dos trabalhos não-inéditos é o que
empresta o título ao livro, em que a autora mostra o saldo amargo de
uma relação desfeita. Diferentes formas de desencontro entre homem e
mulher e a crônica de relacionamentos que se desgastam cruelmente,
até a violência ou a opressão da rotina, são os temas de várias
outras histórias, como “Miss Jaqueline”, “Logo hoje”, “Os sessenta”
e “Minha flor”.
Os primeiros textos do livro retomam
enredos sobre a infância e adolescência. Essas fases, tão caras à
autora, são retratadas aqui como tempo de passagem, em que despontam
as primeiras sementes de desencantos futuros. “Madame Rapunzel” e
“Essa menina” são algumas das narrativas desse bloco. Compõem uma
espécie de mosaico, em que Lívia, que manipula com habilidade a
técnica dos diálogos, alterna fragmentos não muito inspirados com
outros de ótima realização.
Leia Lívia
Garcia-Roza
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