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Soares Feitosa

Poema em Pernambuco

ou

Está tudo combinado

 

 

O menino jazia, uns onze anos.

Era um carrinho brancaleone, de mão, de madeira,

Melhor que fosse de feijão-bravo, a madeira branca e mole,

Nela os Sipaúbas faziam carros. Noutro

Tempo, é certo; lá, dos meus, infâncias. Eles

Tangiam coisas de feira. Desta vez, Francisco.

 

Bateram à porta de Coronéu Migué

Ou de Joaquim — que diferença entre deuses?

Imp... [de que letras lhes hei de completá-los -

E a mim também?]

Imp...assíveis, ternos, eternos. Deuses.

 

Os médicos da Parahyba dixerunt: Não sabemos. Levem-no

Às terras de Maurício. Mas os de cá também nada disseram,

Aliás, dixerunt que não sabiam. Males de matos-ralos,

De coisas miúdas, nano-Feynman-science que ninguém

Sabe a quê. Males, o mal de

Francisco, ainda não.

 

Ela era alva, mas se fosse negra não faria diferença,

De um alvar ciprestes. As roupas

Jamais seriam brancas, um rosto em duro, quase sem.

Grega, judia em Auschwitz-Bikernau,

Vestia, sim, ela tinha roupas, uma roupa só,

Palestina, nordestina e esperava.

 

Um dia lhe reparei naquelas vestes mors mortis, mortuárias,

Pretas. Havia um barbante,

Elástero e a tristeza

Naqueles panos. Cintados. Era mulher, a mulher de Jó,

Aliás, se Jó houver, ela.

 

No dia, então, em que veio o veredictum-coronel:

Não há verbas. Ele,

Era Francisco, alevantou-se [só os olhos, que o resto

Apodrecera] e sustentou sobre si mesmo aquele gesto: 

[Por que não foi um grito?] [Miguéis, Joaquins, 

Arraias, et allii - e sobre quem mais esteja]

 

— Mãe, está tudo combinado.

 

Consta que ela, sem nenhuma palavra, teria dito que sim.

 

 

Fortaleza, noite longa, 22.9.2002


[Episódio real, da década de 90,

em Pernambuco.

O autor morava em Recife]

Página inicial do autor


Dos leitores

 

Ariela Boaventura

 

From: "Ariela Boaventura" <mozarela@hotmail.com>
Data: Tue, 1 Oct 2002 14:38:14 -0300

Delicioso, Feitosa.
Talvez doloroso, não sei. Mas a destreza com as palavras me fez sorrir, por mais que tenha sentido uma certa tristura no conteúdo.

Ainda tô, devagarito, trabalhando numa história [que te falei] sobre experiências no Centro-Oeste. Quando ficar pronto, te enviarei para imprimires, evidentemente, e ler com calma na varanda de tua casa.

Forte abraço,

Ariela.

 

 

 

Eduardo Diatahy B. de Menezes

 

Data: Tuesday, September 24, 2002 6:33 PM
 

Don Francisco, fratello mio!

 
Que poema belo e forte!
Forte, daquela força de universalidade que só a singularidade contém, e que você soube capturar como vate-vidente!
Isso sabe a Iesha'yahou ou Hoshéa', irmão.
Felicitações, do fundo do Coração.
 
diatahy

 

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