Stella Leonardos

De Pero Coelho de Souza e os Dois Jesuítas Sofridos
 
 
— Oh Pero Coelho de Souza!
Oh pero de desvalia
que sonháveis tanta cousa!
Lograstes livrar São Luiz
dos franceses invasores?

... todos juntos, por terra, romperam
caminho em busca do Maranhão. 
Estacionaram na foz do rio então figurante
nos mapas com o nome de Pirangi e que os
potiguaras da bandeira chamaram de Siará, 
e daí passaram ao Siupé ou outeiro dos
cocos, assim dito porque uns sete ou oito
que plantaram, à tornada os viram nascidos
com muito viço. Daí à anseada do âmbar,
hoje Parazinho, e à mata dos paus de cores
ou Jericoacara, de onde saíram mais ou
menos a 11 de janeiro, já no ano de 1604, 
para alcançarem o rio da Cruz ou Camucin, 
na manhã do dia 19.

— E destas terras daqui?
Foi feito o que do fortim
e as casas que levantastes?
Oh Pero Coelho de Souza!
Oh pero, luso varão!
Que é da Nova Lusitânia
e vossa Nova Lisboa?
 

        Lenda tristíssima a do seu êxodo,
classificou João Brígido a marcha de Pero
Coelho, do Jaguaribe aos Reis Magos.
        Corria a seca de 1605-1606, a primeira
que a história cearense registra. Todos a pé, 
inclusive a mulher e as crianças, que a maior
contava 18 anos, estiraram-se numa retirada
de fome pelas areias salinosas do Rio Grande.
De começo lhe morreu um soldado, depois
outro e, após, o primogênito do casal ...
 

                (Lá vai um anjo pro céu
                todo cercado de luz,
                Nossa Senhora da Guia!
                Abra as portas, meu Jesus!)
 

        ... O ânimo de Da Tomázia cedeu à dor
de ver os filhos em sinistra magreza, mas o 
espírito do capitão vencia a desgraça, 
alentando os companheiros.
 
 

Sem querer, ao som da viola, 
                um Pelo Sinal me ocorre:
 

                A fome está devastando
                o Rio Grande do Norte;
                E eu estou perto da morte, 
                        Pelo Sinal.
 

                Se não chover em geral, 
                Logo no mês de janeiro, 
                não fica um só fazendeiro.
                        Da Santa Cruz
 

                Eu por mim já me dispus
                A morrer de fome. É feio!...
 

Sem querer — corda de acorde
                rebentado de uma viola —
o fragmento quase dói.
 

        E o sofrimento foi maior quando por
eles passou sem ver, nem ouvir-lhes os gritos, 
o barco, velejando célere, que levava ao Siará
os Padres Pinto e Figueira, seus sucessores
na desventura do fracasso.
 

Vêm dois jesuítas — Frustrados?
                — O primeiro, 
assassinado.
O segundo, posto em fuga.
No entanto, que o diga a História: 
                o que tentaram perdura
por sofridas tentativas
                de erguer a Cruz a
caminho, 
rumo à sonhada conquista
                do inóspito território.
 

— Minha santa curuzu!
                Minha santa curuzá!
Abençoa, santa Cruz, 
                cruzeiros e encruzilhadas
dos cristianos do Ceará!

 

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 Página atualizada  por  Alisson de Castro,  Jornal de Poesia,  22  de  Julho  de  1998