Mais de 3.000 poetas e críticos de lusofonia!

 

 

 

 

 

 

 

 

Samuel Penido


 


O Mundo Fragmentado e A Afirmação Vital

(in “JORNAL DO BRASIL", Outubro de 1984)


 

Bem mais que a noção geral de um percurso poético realizado em quase duas décadas de 1958 a 1975. Seleção de Poemas enseja o conhecimento de partes essenciais do trabalho de Álvaro Pacheco neste período. Isso porque da escolha se encarregaram nomes como Fábio Lucas, Odylo Costa, filho e Rubem Fonseca, de incontestável autoridade e estreita ligação com o autor e seu repertório. Oito livros serviram de base para a seleta: O Homem de Pedra, Tempo Integral, A Matéria do Sonho, A Força Humana, O Sonho dos Cavalos Selvagens, Margem, Rio Mundo, Pasto da Solidão e Os Instantes e os Gestos.

Edificando sua obra solitariamente, dissociado de grupos e movimentos, talvez por isso mesmo não obteve ainda Álvaro Pacheco, a acolhida de crítica e público a que inequivocamente faz jus. Quanto ao valor intrínseco de sua produção, não é necessário ir além dos movimentos iniciais, para proclamá-lo. Neles se entrevêem as coordenadas que iriam nortear-lhe a caminhada, tais como a gravidade do teor existencial, o gosto pelo artesanato e a maneira própria de dizer e comunicar.

"Pois este é o ofício
procurar as clareiras e explicar o bosque
ver os olhos da terra e cobrir-lhe as pálpebra
sem saber da essência do amor e do sangue
Pois este é ofício
ver o mundo e procurar o segredo
e recriar o amor e buscar a palavra
para a nova sintaxe dos velhos tormento
/pois este é o ofício
/ o ofício do homem que dobra o metal
e estupra a terra e planta as raízes
/ na rocha mais dura constrói a cidade
no espaço da carne enfrenta a esperança
a pedra, a montanha, a floresta e o mar" ("Ofício")

 

Em toda sua carreira, nota-se que sempre procurou compatibilizar uma visão crítica do mundo circundante "fragmentado, dessacralizado e por vezes absurdo" com a disponibilidade lírica, a "matéria do sonho". E nessa empreitada há que reconhecer-lhe o Êxito. Basta comparar os poemas de cada um dos livros para ver como sua dicção só se apurou com o passar do tempo, guardando, ademais, louvável sobriedade, mesmo sob o desafio de temas contundentes. Por outro lado, nada neste poeta faz lembrar certas constantes das últimas safras da poesia brasileira: o arroubo romântico, a plataforma engajada ou o mero exercício lúdico.

"… preciso ser totalmente moderno" já advertia Rimbaud. E Álvaro Pacheco o é na medida em que traz para o poema um novo tecido verbal, bem como o rosto do homem do nosso tempo, seus sonhos e pesadelos. "Tenho os pés preso no ar/ meu coração se desgasta:/ sou livre no meu destino/ de perder-me ou dizer basta/ não me suicidarei/ nem deixarei o país:/ sou parte da solução" ("Segundo Poema Didático");

"Procuro uma estrela palpável
de longos anos, imito
/os antecessores e antepassados
os sucessores e herdeiros, imito e procuro
uma esperança, pesquiso
o espasmo eterno". ("Poema em Oito Movimentos").


 



Visite a página de Álvaro Pacheco

 

 

 


 

30/05/2006