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LIVROS Beleza e Sordidez Vencedor do IV Festival Universitário de Literatura, concurso promovido pela Xerox do Brasil, A Bela Estrãgeira, da maranhense radicada no Ceará, Tânia Lima, será lançado hoje à noite na Quarta Literária do Dragão do Mar José Alcides Pinto A maranhense radicada no Ceará tânia Limaque está lançando logo mais a Bela Estrãgeira: elogios de José alcides Pinto para versos como "Metáforas pelejam no subúrbio semáforos / testemunham" (Foto: Antonio Duarte 28/12/2000) Tânia Lima entrega ao público e à crítica seu último livro de poesia - A bela estrãgeira (Grupo Editorial Cone Sul, São Paulo, 88 páginas, R$ ). A capa é uma reprodução de Leonardo da Vince (Leda) e o texto vem em papel reciclado, com ilustrações do talentoso artista plástico cearense, André Luiz, o que torna o volume mais bonito ainda. A palavra ''estrãgeira'', trocando o n pelo til, é idéia felicíssima de Solange Kate, professora de Literatura da UFC. O livro lançado há pouco tempo, na Livraria Cultura em São Paulo,
levantou, na categoria poesia do quarto festival Universitário de
Literatura, o Prêmio Xerox do Brasil de Literatura. Tânia Lima dedica-o
aos sem tetos, desempregados, meninas de favelas, prostitutas, lixeiros,
etc., enfim ao todo Percebe-se no texto a rebeldia das metáforas sinestésicas, dessa rebeldia de que se nutre a poesia dionisíaca, pois como diz Camus: ''Toda vida consciente é uma revolta.' E como diz a autora: ''Metáforas pelejam no subúrbio / semáforos testemunham.' A angústia existencial fez dela nossa poeta predileta. Sua linguagem poética é ousada. Não temos notícias por essas bandas de outra que escreve igual a ela: como pensa, como quer, como lhe convém, quebrando tabus, destruindo, abrindo fendas na hipocrisia: ''Não me ensinaram a ser feminina / minha poesia está fora de forma / escola é sonho de virar gente/ sertanejo não fala português / as cousas não prestam pra falar''. É uma poesia malina, uma menina grande de escrita travessa. Tudo nela lembra indisciplina, criança peralta, insubordinada, que rouba as palavras do dicionário e laranjas no supermercado. Não sou eu quem diz, está em seus achados bibliográficos: ''Quando fui estudar no Piauí - acrescenta ela -''disseram-me que eu precisava duma religião. Aí eu fiquei com o Deus dos proletários. Lá no meio do mato, escrevia à lua minguante. Minha mãe diz que eu tenho um juízo mole / Mas o que tem a ver um juízo mole com a lua minguante?' Vejam, nesse pequeno excerto, o paradoxo da intenção poética sendo alinhavado pela textura do signo da contradição. Observem também a beleza desse fascinante conceito: ''Poesia / é / árvore / que / se / planta / no arranha-céu''. Quem atira a primeira pedra sem que esta não lhe caia na cabeça? Tânia Lima não tem medo das palavras nem de Virgínia Woolf, nem de Benjamim Taubkin. Pois como diz a autora: ''Pra disaprender / entra de chalana / desaparece / dentro da linguagem''. Eu não queria que esta apresentação fosse escrita, queria, sim, conversar com ela, olho a olho, à vista de todo mundo, para quem sabe ''lapidar com os lápis de cera os ouvidos do mundo''. Ah, como eu gostaria de saber onde se encontra a pureza, porque então iria buscar Tânia Lima intacta, de pé, no pórtico das catedrais, onde o anjo mora. ''O pai passeava de bicicleta com a filha, Mariana. / Foram se encontrar com o mar / Juntos encostaram a bicicleta na enseada / Enquanto a tarde se ia entre surfista / O pai escrevia notícias nas nuvens / Enquanto a filha desfolhava / a paisagem (com cuidado) / Lá pelas tantas ... / A menina aponta com o dedinho para o infinito. / Olha lá, paizinho, / o mar tá cheio de vrido.' Confesso a você leitor (a) que poemas como este e tantos outros de A bela estrãgeira não se encontram do dia para noite, pois são poemas extemporâneos: ''Trazia um romance policial / Debaixo do braço esquerdo / Uma carteira de cigarro num dos pulmões / Uma bolsa cheia de palavrão / E um salário de fome / Dentro do estômago. Também não me posso furtar à curiosidade do que se seguem em nota de pé de página: ''Aluga-se / folha em branco / para poeta / desempregado.' Aliás esse poema devia ser endereçado a mim que já disse em um de meus livros: ''Não me arranjem emprego / Não criem obstáculos à minha vida.' Sabe-se que o tempo é de guerra e fome como tantos outros. Talvez por isso, a poesia mais do que nunca exerça sua função de nos fazer enxergar, além do óbvio, nessa bela estrãgeira que em verdade somos todos nós: vendedores de amendoim, povo excluído de um Brasil estrangeiro, brasil de mirins. José Alcides Pinto é escritor |