Tomás Ribeiro


Carta que Estela Deixou à Filha
Fragmento do canto VIII do D. Jaime

........................................................... A vítima infeliz de ímproba sorte, vede o que ela escrevia à triste filha, momentos antes de chegar a morte: — "Filha! não posso agasalhar-te em vida; rosa pendida que te vais finar! quem te arrancara dessas mãos ferozes dos meus algozes que te vão matar! À campa vamos! Ai! depois da morte, quem sabe a sorte a que estas almas vão!... Que anseio! filha! que soldado abismo! tu... sem batismo! e eu... sem confissão! Não! Deus é pai! somente aos maus condena! Foi por quem pena que penou Jesus! Sejam meus prantos do batismo as águas!... Deus! pelas mágoas que te deu a cruz! Vai, filha! os anjos te recebem ledos! guarda os segredos que me ouviste aqui. Quando avistares do Senhor a sede, por mim lhe pede, que também morri! Vai! Dize aos anjos que te dêem seus cantos, por estes prantos que meus olhos têm! e se em mim perdes maternal ternura, a Virgem pura que te seja mãe!... Ai! flor de neve com dourada coma! que alvor! que aroma! se não perde aqui! Ai! rosa minha de matiz vestida; que amor! que vida! que eu sonhei por ti! Teu pai, rojado por inglória senda, que vida horrenda viverá também!... rico inda ontem, poderoso e nobre! hoje tão pobre, que nem nome tem! Eu fui a sombra que toldou de escuro todo o futuro que o verá viver!... Eu fui a estrela que em lugar do norte, lhe aponta a morte que o fará morrer! Aos meus perdôo, que me deram tratos; raça de ingratos, com que eu vivi! Não choro os dias que sonhei serenos... que em paga ao menos morrerei por ti. A ti, a ele, deixarei somente, num beijo ardente o derradeiro adeus!... Correi, algozes, já me não confranjo! mártir e anjo, têm direito aos céus!"


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