Valéria Nogueira Eik
A grande paixão
A estrada era de terra batida e em
tempos de seca, nuvens vermelhas de poeira erguiam-se à passagem dos
poucos carros.
Eles viviam num sítio pequeno, numa casa de madeira muito simples,
numa paz interessante.
No singelo jardim, as rosas caipiras e
perfumadas enfeitavam a vida de Dona Maria, que da janela da
cozinha, esticava os olhos para apreciar as flores, enquanto fazia
pães e biscoitos.
Seu José era um homem de idade
avançada e durante toda a sua vida tinha cultivado uma grande
paixão, o café, muito conhecido como ouro verde.
E era ouro.
E era paixão.
Mês de julho e o frio era intenso.
Uma grande agonia, o medo de ver seu
cafezal sucumbir às geadas, começava a quebrar a paz do velho homem,
que inquieto, percorria cada rua de café, como se quisesse acalmar e
proteger a plantação.
Na verdade, não era receio de
empobrecer, e sim, um terror parecido com o que os homens
apaixonados sentem quando percebem que estão perdendo a mulher
amada.
E lá ia Seu José, em mangas de camisa,
fazendo de conta que não sentia frio, para assim, tentar enganar o
clima, ludibriar o destino e afastar o Diabo Negro.
Ao entardecer, ele se debruçava na
janela e ficava olhando os sinais do tempo.
Quando a primeira estrela aparecia,
mostrando um céu deslumbrante e limpo, ele se recolhia à cama, pois
entendia que muitas estrelas nas noites frias eram indícios de mau
agouro.
E a cada amanhecer, um suspiro de
alívio quando percebia que o café estava vivo e verde, como só um pé
de café sabe ser.
Dia após dia, noite após noite, ele
fazia os mesmos gestos e as mesmas perguntas, ao tempo e à esposa:
- Hoje está mais quente, não está?
E Dona Maria concordava, baixando os
olhos para não encarar o medo do marido.
Sentia medo também, porque não podia
imaginar a vida sem José, sem a casa simples, as roseiras, a cozinha
e a paz que tudo isso proporcionava a eles.
Sabia ser inútil, mas, mesmo assim,
pedia a ele que colocasse um casaco, ao que ele respondia:
- Mas, mulher, você mesma acabou de
dizer que hoje está mais quente. Não há necessidade de agasalho.
E lá ia Seu José percorrer seu
cafezal, enquanto Dona Maria voltava para perto do fogão, que era o
único lugar quente do mês de julho.
De noite, depois que Seu José
adormecia, tiritando de frio, a esposa colocava cobertores sobre ele
e neste momento, ela pedia a Deus para que seu marido fosse capaz de
suportar a perda do ouro verde, que era um fato quase consumado.
Ela escutara no rádio que as geadas
seriam terríveis.
Dormiu abraçada ao esposo, na
tentativa de passar-lhe coragem e calor, mesmo sabendo que ele
sonhava sempre com o café e jamais com ela.
Quando os primeiros raios de sol
entraram sorrateiros pelas frestas da janela, Dona Maria percebeu
que Seu José já havia saído e algo dentro dela gritou para que
corresse em direção ao cafezal.
Vestiu-se rapidamente e ao abrir a
porta, percebeu a tragédia em toda a sua extensão.
Tudo estava coberto por uma camada
fina de gelo.
Correu o mais que a sua velhice lhe
permitiu e com a respiração entrecortada pela idade e pelo frio,
alcançou o ouro verde, o marido caído no chão lamacento, a morte e a
dor.
Seu José estava deitado sob um pé de
café e pela primeira vez, por livre vontade, cobrira a si mesmo e a
pequena árvore com uma grossa manta de lã.
Morreu no colo da sua grande paixão.
|