Jornal de Poesia
Caetano
Veloso
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Um Índio
Um índio descerá de uma estrela
colorida brilhante
de uma estrela que virá numa velocidade
estonteante
e pousará no coração do
hemisfério sul
na américa num claro instante
depois de exterminada a última nação
indígena
e o espírito dos pássaros das fontes
de água límpida
mais avançado que a mais avançada
das mais avançadas das tecnologias
virá impávido que nem Muhamed Ali
virá que eu vi
apaixonadamente como Peri
virá que eu vi
tranqüilo e infalível como Bruce
Lee
virá que eu vi
o axé do afoxé, Filhos de
Gandhi
virá
um índio preservado em pleno corpo físico
em todo sólido , todo gás e todo
líquido
em átomos, palavras, alma, cor,
em gesto, em cheiro, em sombra,
em luz, em som magnífico
num ponto eqüidistante entre o Atlântico
e o Pacífico
do objeto sim resplandecente descerá
o índio
e as coisa que ele dirá , fará
não dizer
assim de de um modo explícito
virá impávido que nem Muhamed Ali
virá que eu vi
apaixonadamente como Peri
virá que eu vi
tranqüilo e infalível como
Bruce Lee
virá que eu vi
o axé do afoxé, Filhos de
Gandhi
virá
e aquilo que nesse momento se revelará
aos povos
surpreenderá a todos não
por ser exótico
mas pelo fato de poder estar sempre
estado oculto quando terá sido o óbvio
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Caetano
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Panis
et Circenses
Eu
quis cantar
Minha
canção iluminada de sol
Soltei
os panos sobre os mastros no ar
soltei
os tigres e os leões nos quintais
Mas
as pessoas da sala de jantar
São
preocupadas em nascer e morrer
Mandei
fazer de puro aço luminoso um punhal
Para
matar o meu amor e matei
Às
sete horas na avenida central
Mas
as pessoas da sala de jantar
São
preocupadas em nascer e morrer
Mandei
plantar
folhas
de sonho no jardim do solar
as
folhas sabem procurar pelo sol
e
as raízes procurar, procurar
Mas
as pessoas na sala de jantar
Essas
pessoas na sala de jantar
São
as pessoas da sala de jantar
Mas
as pessoas na sala de jantar
São
preocupadas em nascer e morrer
Essas
pessoas na sala de jantar
Essas
pessoas na sala de jantar
Essas
pessoas na sala de jantar
Essas
pessoas ...
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A
tua presença morena
A tua
presença
Entra
pelos sete buracos da minha cabeça
A
tua presença
Pelos
olhos, boca, narinas e orelhas
A
tua presença
Paralisa
meu momento em que tudo começa
A
tua presença
Desintegra
e atualiza a minha presença
A
tua presença
Envolve
meu tronco, meus braços e minhas pernas
A
tua presença
É
branca verde, vermelha azul e amarela
A
tua presença
É
negra, negra, negra, negra, negra,
negra,
negra, negra, negra,
A
tua presença
transborda
pelas portas e pelas janelas
A
tua presença
Silencia
os automóveis e as motocicletas
A
tua presença
Se
espalha no campo derrubando as cercas
A
tua presença
É
tudo que se come, tudo que se reza
A
tua presença
Coagula
o jorro da noite sangrenta
A
tua presença
É
a coisa mais bonita em toda a natureza
A
tua presença
Mantém
sempre teso o arco da promessa
A
tua presença
morena,
morena, morena, morena,
morena,
morena, morena.
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Queixa
Um
amos assim delicado
Você
pega e despreza
Não
devia ter despertado
Ajoelha
e não reza
Dessa
cousa que mete medo
Pela
sua grandeza
Não
sou o único culpado
Disso
eu tenho a certeza
Princesa,
surpresa, você me arrasou
Serpente,
nem sente que me envenenou
Senhora,
e agora me diga onde eu vou
Senhora,
serpente, princesa
Um
amor assim violento
Quando
torna-se mágoa
É
o avesso de um sentimento
Oceano
sem água,
Onda,
desejos de vingança
Nessa
desnatureza
Bate
forte sem esperança
Contra
a sua dureza
Princesa,
surpresa, você me arrasou
Serpente,
nem sente que me envenenou
Senhora,
e agora me diga onde eu vou
Senhora,
serpente, princesa
Um
amor assim delicado
Nem
um homem daria
Talvez
tenha sido pecado
Apostar
na alegria
Você
pensa que eu tenho tudo
E
vazio me deixa
Mas
Deus não quer que eu fique mudo
E
eu te grito essa queixa
Princesa,
surpresa, você me arrasou
Serpente,
nem sente que me envenenou
Senhora,
e agora me diga onde eu vou
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Menino
Deus
Menino
Deus
Um
corpo azul dourado
Um
porto alegre é bem mais que um seguro
na
rota das nossas viagens no escuro
Menino
Deus
Quando
tua luz se acenda
a
minha voz comporá tua lenda
e
por um momento
haverá
mais futuro do que jamais houve
Mas
ouve a nossa harmonia
A
electricidade ligada no dia
em
que brilharias por sobre a cidade
Menino
Deus
Quando
a flor do teu sexo abrir as pétalas para o universo
então
por um lapso se encontrará nexo
ligando
breus
dando
sentido aos mundos
e
aos corações sentimentos profundos
de
terna alegria
no
dia do Menino Deus.
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Canto
do povo de um lugar
Todo
dia o sol levanta
E
a gente canta
Ao
sol de todo dia
Fim
da tarde a terra cora
E
a gente chora
Porque
finda a tarde
Quando
a noite a lua mansa
E
a gente dança
Venerando
a noite
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Terra
Quando
eu me encontrava preso
Na
cela de uma cadeia
Foi
que eu vi pela primeira vez
As
tais fotografias
Em
que apareces inteira
Porém
lá não estavas nua
E
sim coberta de nuvens
Terra,
Terra
Por
mais distante
O
errante navegante
Quem
jamais te esqueceria?
Ninguém
supõe a morena
Dentro
da estrela azulada
Na
vertigem do ciname
Mando
um abraço pra ti
Pequenina
como se eu
Fosse
o saudoso poeta
E
fosses a Paraíba
Terra,
Terra,
Por
mais distante
O
errante navegante
Quem
jamais te esqueceria?
Eu
estou apaixonado
Por
uma menina terra
Signo
do elemento terra
Do
mar se diz terra à vista
Terra
para o pé firmeza
Terra
para a mão carícia
Outros
astros lhe são guia
Terra,
Terra,
Por
mais distante
O
errante navegante
Quem,
jamais, te esqueceria?
Eu
sou um leão de fogo
Sem
ti me consumiria
A
mim mesmo eternamente
E
de nada valeria
Acontecer
de eu ser gente
E
gente é outra alegria
Diferente
das estrelas
Terra,
Terra,
Por
mais distante
O
errante navegante
Quem,
jamais, te esqueceria?
De
onde num tempo num espaço
Que
a força mande coragem
Pra
gente te dar carinho
Durante
toda a viagem
Que
realizas ao nada
Através
do qual carregas
O
nome da tua carne
Terra,
Terra,
Por
mais distante
O
errante navegante
Quem,
jamais, te esqueceria?
Nas
sacadas dos sobrados
Da
velha São Salvador
Há
lembranças de donzelas
Do
tempo do imperador
Tudo
tudo na Bahia
Faz
a gente querer bem
A
Bahia tem um jeito
Terra,
Terra
Por
mais distante
O
errante navegante
Quem,
jamais, te esqueceria?
Terra...
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Cajuína
Existirmos:
a que será que se destina?
Pois
quando tu me deste a rosa pequenina
Vi
que és um homem lindo e que se acaso a sina
Do
menino infeliz não se nos ilumina tampouco turva-se a lágrima
nordestina
Apenas
a matéria vida era tão fina
E
éramos olharmo-nos intacta retina
A
cajuína cristalina em Teresina
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Trem
das cores
A franja
da encosta cor de laranja
Capim
rosa-chá
O
mel desses olhos, luz, mel de cor ímpar
O
ouro ainda não bem verde da serra
A
prata do trem
A
lua e a estrela
Anel
de turquesa
Os
átomos todos dançam, madruga
Reluz
neblina
Crianças
cor de romã entram no vagão
O
oliva da nuvem chumbo ficando pra trás da manhã
E
a seda azul do papel que envolve a maçã
As
casas tão verde e rosa que vão passando ao nos ver passar
Os
dois lados da janela
E
aquela num tom de azul quase inexistente, azul que não há
Azul
que é pura memória de algum lugar
Teu
cabelo preto, explícito objeto
Castanhos
lábios
Ou,
pra ser exato, lábios cor de açaí
E
aqui, trem das cores, sábios projetos:
Tocar
na central
E
o céu de um azul celeste celestial
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O quereres
Onde
queres revólver sou coqueiro
E
onde queres dinheiro sou paixão
Onde
queres descanso sou desejo
E
onde sou só desejo queres não
E
onde não queres nada, nada falta
E
onde voas bem alto eu sou o chão
E
onde pisas o chão minha alma salta
E
ganha liberdade na amplidão
Onde
queres família sou maluco
E
onde queres romântico, burguês
Onde
queres Leblon sou Pernambuco
E
onde queres eunuco, garanhão
Onde
queres o sim e o não, talvez
E
onde vês eu não vislumbro razão
Onde
queres o lobo eu sou o irmão
E
onde queres cowboy eu sou chinês
Ah!
bruta flor do querer
Ah!
bruta flor, bruta flor
Onde
queres o ato eu sou espírito
E
onde queres ternura eu sou tesão
Onde
queres o livre decassílabo
E
onde buscas o anjo sou mulher
Onde
queres prazer sou o que dói
E
onde queres tortura, mansidão
Onde
queres um lar, revolução
E
onde queres bandido sou herói
Eu
queria querer-te e amar o amor
Construir-nos
dulcíssima prisão
Encontrar
a mais justa adequação
Tudo
métrica e rima e nunca dor
Mas
a vida é real e de viés
E
vê só que cilada o amor me armou
eu
te quero (e não queres) como sou
Não
te quero (e não queres) como és
Ah!
bruta flor do querer
Ah!
bruta flor, bruta flor
Onde
queres comício, flipper-vídeo
E
onde queres romance, rock'n'roll
Onde
quers a lua eu sou o sol
E
onde a pura natura, o inseticídio
Onde
queres mistério eu sou a luz
E
onde queres um canto, o mundo inteiro
Onde
queres quaresma, fevereiro
E
onde queres coqueiro sou obus
O
quereres e o estares sempre a fim
Do
que em mim é de mim tão desigual
Faz-me
querer-te bem, querer-te mal
bem
a ti, mal ao quereres assim
Infinitivamente
pessoal
e
eu querendo querer-te sem ter fim
E
querendo-te aprender o total
Do
querer que há e do que não há em mim
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Baby
Você
precisa saber da piscina,
Da
margarina, da Carolina, Da gasolina
Você
precisa saber de mim Baby, baby
Eu
sei que é assim Baby, baby
Eu
sei que é assim
Você
precisa tomar um sorvete
Na
lanchonete,
Andar
com a gente,
Me
ver de perto,
Ouvir
aquela canção do Roberto
Baby,
baby
Há
quanto tempo...
Baby,
baby,
Há
quanto tempo...
Você
precisa aprender inglês,
Precisa
aprender o que eu sei
E
o que não sei mais
E
o que eu não sei mais
Não
sei, comigo vai tudo azul
Contigo
vai tudo em paz,
Vivemos
na melhor cidade
Da
América do Sul
Da
América do Sul,
Você
precisa, você precisa, você precisa...
Não
sei, leia na minha camisa,
Baby,
baby
I
love you
Baby,
baby,
I
love you
Baby...
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Eclipse
oculto
Nosso
amor não deu certo
gargalhadas
e lágrimas
de
perto fomos quase nada
tipo
de amor que não pode dar certo
na
luz da manhã
e
desperdiçamos os blues do Djavan.
Demasiadas
palavras
fraco
impulso de vida
travada
a mente na ideologia
e
o corpo não agia
como
se o coração tivesse antes que optar
entre
o inseto e o inseticida.
Não
me queixo
eu
não soube te amar
mas
não deixo
de
querer conquistar
uma
coisa qualquer em você.
O
que será?
Como
nunca se mostra
o
outro lado da lua
eu
desejo viajar
no
outro lado da sua
meu
coração galinha de leão
não
quer mais amarrar frustração
o
eclipse oculto na luz do verão.
Mas
bem que nós fomos muito felizes
só
durante o prelúdio
gargalhadas
e lágrimas
até
irmos pro estúdio
mas
na hora da cama
nada
pintou direito
é
minha cara falar
não
sou proveito
sou
pura fama.
Não
me queixo
eu
não soube te amar
mas
não deixo
de
querer conquistar
uma
coisa qualquer em você.
O
que será?
Nada
tem que dar certo
nosso
amor é bonito
só
não disse ao que veio
atrasado
e aflito
e
paramos no meio
sem
saber os desejos
aonde
é que iam dar
e
aquele projeto
ainda
estará no ar?
Não
quero que você fique fera comigo
quero
ser seu amor
quero
ser seu amigo
quero
que tudo saia
como
o som de Tim Maia
sem
grilos de mim
sem
preconceito, sem tédio, sem fim.
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