Cesário Verde

Deslumbramentos

Milady, é perigoso contemplá-la Quando passa aromática e normal, Com seu tipo tão nobre e tão de sala, Com seus gestos de neve e de metal. Sem que nisso a desgoste ou desenfade, Quantas vezes, senguindo-lhes as passadas, Eu vejo-a, com real solenidade, Ir impondo toilettes complicadas!… Em si tudo me atrai como um tesoiro: O seu ar pensativo e senhoril, A sua voz que tem um timbre de oiro E o seu nevado e lúcido perfil! Ah! Como me estonteia e me fascina… E é, na graça distinta do seu porte, Como a Moda supérflua e feminina, E tão alta e serena como a Morte!… Eu ontem encontrei-a, quando vinha, Britânica, e fazendo-me assombrar; Grande dama fatal, sempre sozinha, E com firmeza e música no andar! O seu olhar possui, num jogo ardente, Um arcanjo e um demónio a iluminá-lo; Como um florete, fere agudamente, E afaga como o pêlo dum regalo! Pois bem. Conserve o gelo por esposo, E mostre, se eu beijar-lhe as brancas mãos, O modo diplomático e orgulhoso Que Ana de Áustria mostrava aos cortesãos. E enfim prossiga altiva como a Fama, Sem sorrisos, dramática, cortante; Que eu procuro fundir na minha chama Seu ermo coração, como a um brilhante. Mas cuidado, milady, não se afoite, Que hão-de acabar os bárbaros reais; E os povos humilhados, pela noite, Para a vingança aguçam os punhais. E um dia, ó flor do Luxo, nas estradas, Sob o cetim do Azul e as andorinhas, Eu hei-de ver errar, alucinadas, E arrastando farrapos - as rainhas!


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