Virgílio Maia
Heráldica sertaneja
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Virgílio Maia: a cultura
sertaneja através das
marcas de gado |
O escritor cearense
Virgílio Maia lança, hoje, às 19h30min, “Rudes Brasões”, saudado
como o mais importante ensaio sobre a tradição de ferrar gado. Sua
obra traz textos, fotos e ilustrações que ajudam a contar a história
das marcas de gado, desde sua origem até sua difusão pelo mundo, mas
com ênfase na história construída no Ceará
“Rudes Brasões” é um trabalho etnográfico, que faz um apanhado das
principais marcas de ferrar gado do Ceará. O livro, que também
mergulha na história da heráldica dos ferros, desde sua origem, é
fruto de muita pesquisa de campo, bibliografia e algumas ficções.
Mas é, sobretudo, a percepção da beleza plástica das marcas de
ferrar gado, que comprovam a existência, no país, de rica heráldica,
sendo esta essencialmente popular, com características próprias e
diferentes, por exemplo, da heráldica representada pelos brasões de
famílias nobres européias.
Virgílio Maia
conseguiu, neste livro, levantar as marcas das freguesias de todos
os atuais 184 municípios cearenses. Cada uma delas apresentada com
explicações sobre seu significado. Isso quando a explicação existe.
“Como qualquer arte, a heráldica dos ferros também tem os seus
mistérios”, escreve, na apresentação do livro, Carlos Newton Júnior,
professor de Estética e História da Arte da Universidade Federal do
Rio Grande do Norte. Quem primeiro escreveu sobre marcas de gado, no
Brasil, foi outro cearense, Gustavo Barroso, em seu livro de
estréia, “Terra do Sol”, de 1912.
Depois, outros
escritores, de forma mais superficial, também abordaram o assunto,
como Idelfonso Albano e Sílvio Júlio. Até se chegar ao belíssimo
trabalho de Ariano Suassuna, “Ferros do Cariri - uma heráldica
sertaneja” (1974). “É um primor de trabalho tipográfico e
xilográfico”, comenta Virgílio Maia. Em seguida, foi lançado outro
livro considerado valoroso, “Ferros da Ribeira”, de Oswaldo
Lamartine de Faria, do Rio Grande do Norte”. Discípulo de Ariano e
Oswaldo, Virgílio Maia conseguiu desenvolver, em “Rudes Brasões”,
ainda mais o assunto dos ferros de gado.
O autor parte das
obras de Ariano e Oswaldo e de vasto referencial bibliográfico para
aprofundar nas informações. E o resultado, conforme Newton Júnior, é
o mais extenso ensaio já escrito sobre o tema. “Do ponto de vista do
livro-objeto, seu trabalho aproxima-se de ‘Ferros do Cariri’ na
intenção do álbum - como, aliás, o próprio título quer indicar. Do
ponto de vista do texto, sua posição assemelha-se à de Oswaldo em
alguns aspectos fundamentais: partindo de considerações históricas
sobre a tradição de ferrar, desde o Mundo Antigo, chega a
explicações minuciosas sobre a atuação das diferenças na composição
de novos ferros, no Brasil de hoje”.
O livro de Virgílio
Maia revela as marcas de ferrar boi utilizadas por algumas
personalidades cearenses, como Padre Cícero Romão Batista. A marca
utilizada pelo “Padim” revela todas as iniciais de seu nome, com
acréscimo de uma cruz, em alusão a sua condição de religioso. O
livro traz fotos de peças em porcelana, da cearense Côca Torquato,
que reproduzem a marca de ferrar utilizada por Padre Cícero. A
artista plástica também revela, em pintura sobre porcelana, a magia
e riqueza que os índios Cadiveus, descendentes dos Guaicurus,
emprestaram às marcas de gado.
Outro artista
cearense que costuma utilizar marcas de ferrar gado em seus
trabalhos é Audifax Rios. A obra de Virgílio Maia revela, em fotos,
algumas esculturas do artista, que foram inspiradas em marcas de
gado do município de Santana do Acaraú. Muitas ilustrações dão ao
livro características de álbuns. Em suas páginas podem ser
contemplados desenhos dos instrumentos usados para ferrar o gado,
fotos de bois ferrados, moeda fazendeira com um “brasão sertanejo”,
e trechos de histórias em quadrinhos que tratam sobre as marcas de
gado.
Os registros mais
remotos sobre as marcas de gado, como informa o livro, são do Egito
Antigo, com desenhos feitos em 2 mil anos antes de Cristo, mostrando
animais ferrados. “O poema romano já falava da ferra do gado. O
poeta grego Anacreonte também falava. Depois, esta prática
difundiu-se pelo mundo. Para chegar ao Brasil, o caminho percorrido
foi o seguinte: Egito, Grécia, Roma, Península Ibérica e Caravelas.
“Foi assim que as marcas de gado chegaram ao Brasil. É bem possível
que as primeiras rezes já tenham chegado por aqui ferradas”, avalia
Virgílio.
Segundo ele, a
prática de marcar os bois, no país, difundiu-se, principalmente, no
Nordeste e no Rio Grande do Sul. “As marcas de gado são sinais de
propriedade. Prova que o boi é do fazendeiro. Quem tinha mais de uma
fazenda, as vezes utilizava marcas diferentes para cada uma delas”,
diz. O autor informa que a Secretaria de Agricultura do Estado tem
setor específico para registros de marcas de gado, que reúne
milhares de “brasões”.
Os registros,
inicialmente, conforme o autor, eram feitos em cada câmara
municipal. Ele conta que o livro de registros de Limoeiro do Norte,
sua cidade natal, foi aberto em 1879, quando, por coincidência, o
presidente da Câmara era José Vidal Maciel, trisavô de Virgílio
Maia. Segundo o autor, existe uma recomendação de que a ferra seja
feita na perna do boi. “Mas isso não é seguido. O mais comum é
ferrar na anca e coxa, onde a marca fica mais visível”, explica.
Com o tempo, as
marcas de gado passaram a representar muito mais do que um símbolo
de propriedade. Elas se tornaram parte da cultura sertaneja e
fizeram surgir até um alfabeto próprio, organizado por Ariano
Suassuna, a partir das anotações feitas por um de seus tios.
Suassuna também foi responsável por despertar a atenção dos
brasileiros para a heráldica representada pelas marcas de gado, que
seriam um dos pontos de partida para a realização de uma arte nova,
erudita e de caráter brasileiro - a arte armorial.
SERVIÇO - Lançamento de
“Rudes Brasões” (Ateliê Editorial, 234 páginas, R$ 60,00), de
Virgílio Maia, hoje, às 19h30min, no Centro Cultural Oboé (Rua Maria
Tomásia, 531, Aldeota). Informações: 3264.7038.
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