Álvaro Pacheco publicou nos últimos dez anos sete livros
de poesia. Excelente "performance", dá a medida da sua vitalidade
literária e sugere, logo na abertura destas breves observações,
um inocente trocadilho. O sétimo desses livros, editado agora
pela Artenova, tem o título de "Tempo Integral". Mas,
antes de tudo, convém esclarecer, no registro da sua assiduidade
poética, que a condição de editor representa para
o poeta piauiense indiscutível "handicap" e não, como
à primeira vista poderia parecer, preciosa vantagem. Não
basta ter o acesso fácil às edições.
… preciso produzir. E quem, neste Brasil, sendo empresário
médio, e do ramo gráfico, às voltas, portanto, com
problemas de investimento, crédito, vendas, distribuição,
mão-de-obra, etc., encontra lazeres para a literatura? São
raros os editores escritores. De Álvaro Pacheco sabemos, por
exemplo, que lida de manhã à noite com a sua indústria
e que, sem ter obtido êxito, é a custa de sacrifícios
e otimismo temerário. O louvor não deve sofrer restrições.
Mantém-se fiel à poesia porque é poeta compulsivo,
autêntico.
Definida a preliminar, podemos com mais tranqüilidade espírito
de análise tentar a abordagem da evolução da
sua poesia, para medir-lhe a força e o valimento. Que parábolas
descreveu o seu discurso poético a partir de "Os Instantes e os
Gestos", que prometia tanto: Aprofundou a mensagem? aperfeiçoou
a dicção? Incorporou ou rejeitou as experiências
dos seus colegas de ofício, contemporâneo, nesta fase da literatura
brasileira que se seguiu à geração 45 e onde a multiplicação
das pesquisas, reconheça-se tem sido sutil quase estéril?
Sua poesia é um marco, possui caráter próprio?
… hoje mais bela e purificada? Anuncia novos caminhos? … germinativa,
audaz?
Bem, estas indagações que ocorrem ao crítico são
legítimas se formuladas a propósito de qualquer poeta em
estado de julgamento e não são fáceis de responder.
Quem afirmar que Álvaro Pacheco é poeta menor, equivocou-se,
comparou-o com os monstros sagrados da poesia brasileira que ainda estão
produzindo e não se deixou tocar pela beleza, pela generosa visão
do mundo, pelo amor à vida que transcendem dos seus poemas.
Talvez porque estes, embora de inspiração generosa, dão
ao leitor mais severo aquela impressão de obra inacabada, sem o
retoque final que empresta inteireza e individualidade. Quem afirmar
que Álvaro Pacheco é grande poeta, já inteiramente
realizado, deixou-se mover pela empatia dos temas ou a sinceridade efusiva
que realmente transborda dos seus versos, o seu deslumbramento na descoberta
do mundo, sem perceber ou hierarquizar as insuficiências da linguagem
poética. Nessa linha, Gustavo Corção, entusiasmado,
apontou um dos livros de Álvaro Pacheco, "A Força Humana",
como nos mais belos e altos momentos da poesia brasileira. Quanto
a nós, que temos pelo poeta grande amizade e admiração
pessoal, talvez por isso mesmo, sentimo-nos obrigados a ir mais fundo,
a meditar mais longamente no seu itinerário poético, e evitando
preconceitos, sem negativismo ou loas apressadas, tentar situar o poeta
na sua verdadeira dimensão.
Não é esta a primeira vez que escrevemos sobre a poesia de
Álvaro Pacheco. Quando, tempo atrás, publicou "O Sonho
dos Cavalos Selvagens", já acentuávamos em artigo, posteriormente
incluído no livro "Poesia e Humanismo", que vinha progressivamente
abandonando os mananciais líricos, interiores, nos quais com simplicidade
alcançava a verdade poética, para lavrar os terrenos
pedregosos e sombrios da especulação. E perdia tempo,
a nosso ver, com o jogo gratuito das manipulações vocabulares.
Este último é um pecado menor. Os poetas também
gostam de brincar. Mas em poesia querer ser transcendente, penumbroso,
significativo, é risco demasiado e de modo geral compromete e desqualifica
o canto. Quando os poetas filosofam ficam menos poetas. Só
os salva nesse terreno uma extrema propriedade de expressão, um
perfeito acabamento artesanal, no caso ainda não alcançado
por Álvaro Pacheco.
De outra parte, não seria esta a tendência da poesia atual.
Se a metáfora e o símbolo foram exauridos, o irracionalismo
insólito e subterrâneo, como definido pela crítica
moderna, também teve pouca duração. Após
as crises paroxísticas da guerra, que deram lugar à
civilização da angústia, a grande chave da poesia
é a comunicabilidade. A poesia do "eu" sucedeu a poesia
do "nós". As poderosas vozes místicas ou metafísicas
que se erguem aqui ou ali, sobretudo na literatura da língua
inglesa, são ilhas isoladas. Para não afirmar que representa
pura alienação ou reacionarismo larvar a poesia do "nada"
diríamos que é desconsoladora, amarga, absurda. Não
transplantemos para a poesia, sem violar os seus arcanos, o pessimismo
de Camus para o qual o único problema filosófico realmente
grave é o suicídio. Especular sobre se a vida vale
a pena ou não ser vivida pertence à alçada dos filósofos.
Os poetas já têm a sua resposta. O amor.
Em "O Tempo Integral", para desgosto nosso, acentua-se a tendência
de Álvaro Pacheco de filosofar, tentar explicar o mundo. Voluntária
ou involuntariamente adelgaçou, quer dizer, enfraqueceu os veios
líricos para fixar-se em conceitos, em definições,
vãs tentativas de situar o homem entre as coordenadas fugidias
do tempo, da morte e da solidão. Esqueceu-se da vida, preferiu
o mistério. Tornou-se confessadamente didático.
Não é à-toa que vários dos seus poemas exigem
títulos como estes: "Poema do Tempo", "Poema Didático" (duas
vezes), "erótica", "Filosofia e Desejo", "Didática sobre
a Morte", "Parábola", "Gramática".
Se o seu didatismo fosse uma "lição de coisas", natural,
simples, apologal, bem, mas não, é um didatismo hermético,
cogitativo e nele a poesia necessariamente se retrai. Um dos seus
críticos diz que a poesia de Álvaro Pacheco é eliotiana,
o que nos dá razão, pois nada mais perigoso, sem os recursos
do gênero, do que arrastar o carro da poesia pelas regiões
do prosaico, intemporalizando-o como o fez Eliot, nas suas sátiras
ao mundo moderno. Outras influências aparentadas são
visíveis, como a de Fernando Pessoa, na máscara de Álvaro
de Campos, e a de Drummond, da fase de "Claro Enigma".
Vejamos para justificar o comentário um trecho do seu primeiro
"Poema Didático":
"E também os fatores inindentificáveis
como o destino e a origem
que jamais se revelam
e são apenas atônitos
e há os fatores inconscientes
como acorrentar-se uma dose à própria dose
e declarar-se em transe eterno
na suposição da lucidez".
Sem dúvida a poesia passou ao largo desse poema, o que, entretanto,
felizmente não corre em todo o livro. Quando libera a sua
música interior, quando é espontâneo, a beleza vem
à tona. Para quebrar a friagem do trecho transcrito, leiamos
estes versos da encalorada poesia:
"Um esmalte chinês
de dragões vencidos
na peça de jade
mil anos de anos:
assim neste azul
as lágrimas puras
aqui neste friso
minha vida impura".
Ou estes:
"Tudo foi bom contigo,
o banho matinal
e a hora macia da noite
de ter você ao lado ao amanhecer".
"O Tempo Integral" vale como um novo compasso de espera. Álvaro
Pacheco — ele é muito moço ainda — continua a sua viagem
pelas terras encantadas. Há que aguardar a ancoragem definitiva
dos seus barcos para verificar se as regiões descobertas são
deslumbrantes ou sáfaras. Este não é o seu livro
definitivo. O poeta ainda está recolhendo vivências,
ainda não definiu o seu diálogo com a beleza, ainda está
adestrando as armas da linguagem para o assédio final. Continuamos
apostando nele, confiantes na sua verdadeira natureza de poeta e no seu
empenho em aperfeiçoar os meios de expressão.
Uma última nota se torna indispensável sobre a apresentação
de "O Tempo Integral". Já se sabe que o poeta é
proprietário de casa editora de porte. Assim, tem a sua disposição
os melhores recursos técnicos. Mas isso não contaria
se o bom gosto não estivesse presente. O livro, planejado
e diagramado pelo autor, que também idealizou a capa, é
uma beleza para os olhos, uma jóia gráfica. Belos também
são muitos os poemas ali reunidos e bela é a fidelidade do
autor à poesia, não desviado da sua vocação
artística pela aridez das lutas empresariais. Os nossos aplausos. |