Waldy Sombra


Meu Chão, Minha Canção

Chão dos meus avós e dos meus pais! Chão do meu nascimento e da minha infância! Quis a neurose cearense da peregrinação que eu me afastasse de ti, mas, qual árvore arrancada, levei nas raízes o massapê das tuas várzeas. Nasceste, limoeiro, Terra minha, do abraço molhado de dois rios num parênteses de amor. Por isso, decerto, o feitiço que exerces sobre os teus filhos. Em mim, operas o milagre da transfiguração, porque és força, és vida, és canção. Basta-me pensar em ti, para que me transporte à felicidade. Vejo-me, então, pelo terreiro da Gangorra, chispando no meu cavalo-de-talo, fogoso, olhos faiscantes de cacos de garrafa... No cavalete de, mulungu, sinto-me artista, e desafio espumas, balseiros e funis do Riacho Seco e do Banabuiú nos anos de águas grandes. Enternece-me a doce cantilena do bê-a-bá e da tabuada da escola de Maria Sombra, e chega-me o vibrante tropel, o baralhador ritmado do Cavalo Preto do meu pai. Vêm-me aos ouvidos as vozes da várzea, com o vento vespertino Aracati, farfalhando palhas, varrendo tudo e debulhando cachos de carnaúba madura. Surgem-me, iluminadas, as hóstias de zinco dos cata-ventos da ilha do meu avó Zé Sombra zunindo, zunindo, puxando água, puxando água, para a sede das bananeiras. Subo à torre da Matriz, escondido de Deolindo, puxo a corda do sino e encho de badaladas a luz branca e morna da manhã. Na saudade, a alegria da Noite de Festas! Mastigo os cavalos-de-broa e as fogosas de João Jaguaribe, os tijolinhos e mariolas de Eugeninho, bebo aluá de milho do pote suado debaixo da tamarineira de Maria Pernambucana e rezo, enfim, minha gulodice num rosário-de-catolé em frente ao portão grande do Mercado. Apoteoticamente lá vem desfilando a Banda de Música do Maestro Odílio, com as zabumbadas dos bombos de João de Carminha e Antônio Rapadura — Tum-dum ... tum-dum.. tum-dum ... — marcando o festivo compasso do meu coração. Que outra terra, que outra gente me trariam de volta esses sons, essas imagens? Por isso e por muito mais, Limoeiro, tu és para mim o chão mais valioso do mundo! Chão dos meus avós e dos meus pais! Chão do meu nascimento e da minha infância! Chão que, um dia, me receberá para o último sono.


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