Há quatro séculos, Amadeu Amaral condenava a semântica,
se não insultuosa, pelo menos pejorativa, em que a palavra poeta
era geralmente empregada no seu tempo. Poeta era o tipo, o pobre-diabo,
o desclassificado social, encarado com suspeita, ou, na melhor hipótese,
com sorridente ironia. Ao lado da imbecilidade política que,
na Primeira República, atrasou o nosso desenvolvimento por
100 anos e segundo a qual o Brasil era um "país essencialmente agrícola",
corria o desalentado apotegma de sabedoria coletiva que exprimia o nosso
contraditório anti-ufanismo o Brasil era uma "terra de poetas",
isto É, de irrealistas incompetentes. Ora, escrevia Amadeu
Amaral com deliberado sofisma polêmico, a verdade era justamente
o contrário não poderia ser uma terra de poetas um país
de reduzida atividade intelectual e onde o número de analfabetos
era assustador; faltava-nos, antes de mais nada, o ambiente cultural que
nos permitisse ser uma terra de poetas. …ramos, sim, uma terra de
versejadores, que ele, poeta afinal de contas menor e epigônico,
descartava com sobranceria.
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Em duas claves diferentes os melhores livros de poesia no ano passado foram
o de José Paulo Paes (Prosas seguidas de Odes mínimas.
São Paulo: Companhia das Letras), e o de Álvaro Pacheco (A
Geometria dos ventos, Rio, Record), dois temperamentos diferentes,
se não opostos, conciliados na criação poética
de alta qualidade. O primeiro É, como se sabe, um espírito
intimista e irônico lutando por disciplinar uma sensibilidade incomum,
o segundo, É o cosmopolita intelectual, escrevendo uma poesia de
cultura. Na terceira parte do livro, ele se equipara aos grandes
líricos, com "Tirésias", "não estarei mais aqui" e
"Fim de siécle", na segunda, a inspiração Épica
coloca-o sem dificuldade na companhia dos grandes poetas universais, entre
outros poemas com o extraordinário "Concerto das Walkyrias para
o aniversário de Eva Braun". |