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Waly Salomão

 

[3.9.1943 - 5.5.2003]

Bio-bibliografia

Poesia

Crítica, ensaio, & comentário

Fortuna crítica

Waly Salomão

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Waly Salomão

Devenir, devir

Término de leitura
de um livro de poemas
não pode ser o ponto final.

Também não pode ser
a pacatez burguesa do
ponto seguimento.

Meta desejável:
alcançar o
ponto de ebulição.

Morro e transformo-me.

Leitor, eu te reproponho
a legenda de Goethe:
Morre e devém

Morre e transforma-te.   

Remetido por Maríli Librandi

marilialibrandi@uol.com.br

Novelha cozinha poética

Pegue uma fatia de Theodor Adorno 
Adicione uma posta de Paul Celan 
Limpe antes os laivos de forno crematório 
Até torná-la magra-enigmática 
Cozinhe em banho-maria 
Fogo bem baixo 
E depois leve ao Departamento de Letras
Para o douto Professor dourar.

A VIDA É CÓPIA DA ARTE


Areia
Pedra
Ancinho
Jardins de Kioto

Alucinado pelo destemor
De morrer antes
De ver diagramado este poema
Ou eu trago Horácio pra cá
Pra Macaé-de-Cima
Ou é imperativo traí-lo
E ao preceito latino de coisa alguma admirar

Sapo
Vaga-lume
Urutau
Estrela

Nestes ermos cravar as tendas de Omar

Ler poesia como se mirasse uma flor de lótus
Em botão
Entreabrindo-se
Aberta

Anacreonte
Fragmentos de Safo
Hinos de Hörderlin
Odes de Reis
El jardín de senderos que se bifurcan
Jardim de Epicuro
Éden
Agulhas imantadas & frutas frescas  para a vida diária.

Remetido por Maríli Librandi

marilialibrandi@uol.com.br

Amante da Algazarra


Não sou eu quem dá coices ferradurados no ar.
É esta estranha criatura que fez de mim seu encosto.
É ela !!!
Todo mundo sabe, sou uma lisa flor de pessoa,
Sem espinho de roseira nem áspera lixa de folha de figueira.

Esta amante da balbúrdia cavalga encostada ao meu sóbrio ombro
Vixe!!!
Enquanto caminho a pé, pedestre -- peregrino atônito até a morte.
Sem motivo nenhum de pranto ou angústia rouca ou desalento:
Não sou eu quem dá coices ferradurados no ar.
É esta estranha criatura que fez de mim seu encosto
E se apossou do estojo de minha figura e dela expeliu o estofo.

Quem corre desabrida
Sem ceder a concha do ouvido
A ninguém que dela discorde
É esta
Selvagem sombra acavalada que faz versos como quem morde.

Remetido por Maríli Librandi

marilialibrandi@uol.com.br

Hoje

O que menos quero pro meu dia
polidez,boas maneiras.
Por certo,
               um Professor de Etiquetas
não presenciou o ato em que fui concebido.
Quando nasci, nasci nu,
ignaro da colocação correta dos dois pontos,
do ponto e vírgula,
e, principalmente, das reticências.
(Como toda gente, aliás...)

Hoje só quero ritmo.
Ritmo no falado e no escrito.
Ritmo, veio-central da mina.
Ritmo, espinha-dorsal do corpo e da mente.
Ritmo na espiral da fala e do poema.

Não está prevista a emissão
de nenhuma “Ordem do dia”.
Está prescrito o protocolo da diplomacia.
AGITPROP – Agitação e propaganda:
Ritmo é o que mais quero pro meu dia-a-dia.
Ápice do ápice.

Alguém acha que ritmo jorra fácil,
pronto rebento do espontaneísmo?
Meu ritmo só é ritmo
quando temperado com ironia.
Respingos de modernidade tardia?
E os pingos d’água
dão saltos bruscos do cano da torneira
                e
passam de um ritmo regular
para uma turbulência
                aleatória.

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Heloisa Buarque de Hollanda

''Dedicação, sonho e catimba''

 

O poeta Waly Salomão, novo secretário nacional do livro, expõe suas metas de trabalho

 

Heloísa Buarque de Hollanda
Professora e editora

André Lobo
Waly Salomão

Waly Salomão: “Aprendi a ser otimista no meio de um país encalacrado como o Brasil”

O poeta Waly Salomão é o novo secretário nacional do livro, integrando a nova equipe do Ministério da Cultura. Sem dúvida, essa equipe, que tomou posse cantando, pega-nos de surpresa e sugere uma gestão promissora pautada pela bandeira da ''Imaginação no poder''. Segundo o poeta, que inicia a nova missão com o espírito cheio de gás e otimismo, seu maior sonho é trabalhar para a divulgação da leitura no sentido da libertação - ''Sonho com um povo mais bem alimentado, letrado, gostando de livro mas sem estar oprimido pela leitura. Minha meta é transformar o livro numa carta de alforria'', falou em entrevista ao Jornal do Brasil. Aqui ele contou sua história desde as primeiras leituras, na casa dos pais, onde livros eram saboreados com entusiasmo e idealismo.

- Qual é o espaço da leitura na sua vida?

- Desde que me entendo por gente, o livro tem uma posição central, como se fosse um ícone dentro de casa. Lembro-me de minha mãe discutindo com meus irmãos e irmãs os dois volumes da velha edição da Editora Globo de Guerra e paz, de Tolstoi. Eles discutiam, com grande entusiasmo, como se estivessem discutindo uma novela mexicana. A personagem da Ana Karenina, por exemplo, era centro de conversa como se ela fosse uma personagem da Glória Perez. Minha tia Etelvina, mulher de Tio Bento, lia sem parar. E eu, que já freqüentava a Biblioteca Pública de Jequié, onde morávamos, tirei para ela a edição de D. Quixote numa tradução bem rococó, de Antônio Feliciano de Castilho. Adorava aquele português rebuscado, com palavras difíceis e decorava trechos enormes do texto. Quando saiu Gabriela Cravo e Canela, compramos logo três volumes, porque todo mundo queria ler e não dava tempo. Minha irmã tinha Os sertões em capa dura e me obrigou a ler. Eu lia tudo o que me caía nas mãos e me fundia com aquelas páginas que me faziam transcender a coisa tacanha, acanhada, da vida em cidade do interior.

- Como se insere o livro na luta pela diversidade cultural?

- No respeito a todos os falares, por exemplo. Não podemos ter um falar único regido por leis gramaticais rígidas. Na Bahia, muitas vezes eu parava e ficava ouvindo um camelô e uma mulher falarem na Ladeira de São Bento. Ficava horas absorvendo aquela verve. Eu detesto é salazarismo, galinha verde de Plínio Salgado, fascismo, generalíssimo Franco. É evidente que você pode ver percepções inusitadas em pessoas carentes da ''sabença'' oficial. Não perceber isso é agir como no leito de Procusto, onde ou você corta a cabeça ou corta o pé porque ele é curto, não cabe o corpo todo. Temos que fazer o corpo inteiro da cultura esplender.

- Vem daí a invenção de seu programa Fome de Livro?

- É claro. Estamos vivendo um momento fecundo com essa capacidade de liderança do Lula, de aglutinar as vontades de um povo na sua diversidade. Aí, com o Fome Zero, um programa justíssimo do Lula, fui percebendo que no Brasil, ao lado da música popular, do pagode, do futebol, que são responsáveis pela ascensão social de setores sem saída, o livro também pode ser, e tem sido, essa alavanca de modificação da posição subalterna das pessoas na sociedade. O Fome de Livro é um projeto complementar, que considera a leitura ferramenta social.

- Você já teve uma experiência com o trabalho em comunidades no Rio, não é mesmo?

- Tive. Sou diretor de Comunicação da ONG Vigário Geral, Afroreggae cultural há muitos anos. O Júnior e o Zé Renato, há quase 10 anos, me viram no Jô Soares uma vez e me procuraram. Vi aquilo como uma coisa muito forte, me integrei logo, sem hesitação. Gosto desses cruzamentos, dessas misturas, intercâmbios.

- Como tais experiências, aliadas à sua militância, relacionam-se com a paixão pela revolução do livro na Secretaria?

- Eu vi em grupos culturais como o Afroreggae de Vigário Geral garotos anêmicos ficando mais alimentados, estimulados, aprendendo coisas, ascendendo socialmente. É por isso que aprendi a ser otimista no meio de um país encalacrado como o Brasil. Por isso não tive medo. Preferi a esperança.

- Você nem hesitou quando o Gil te chamou?

- Nem hesitei. Fui chamado na realidade por João Santana, ligado ao Pallocci, que tinha visto meu desempenho administrativo em Salvador. Essas coisas ou você não topa. Tem de dar total dedicação. É sempre uma experiência enriquecedora.

- Como foi o primeiro dia de trabalho?

- Fui chegando com bastante cautela, precaução, visitando cada setor, tentando apagar até um lado público meu espalhafatoso. Eu obedeço fielmente à liturgia do poder. Ando de paletó, gravata, tudo. Como sou barroco sei que a vida é um teatro. Não adianta ir com a roupa errada, não fazer os usos de tratamento. Entrei querendo entender em minúcia aquele espaço, querendo distinguir quem é o servidor qualificado para formar equipe. Entrei procurando uma conjunção interministerial com os outros poderes.

- E tem muita briga por lá?

- Eu acho muita graça em ver tanta briga pelo Ministério da Cultura, um ministério paupérrimo. Por que será que mesmo assim pessoas brigam por cargos, tiram os tapetes, mandam flechas venenosas para todo lado? Para a chefia da Biblioteca Nacional foi uma guerra de foice como eu nunca tinha visto. De repente, um amigo me soprou o nome do Pedro Corrêa do Lago e essa indicação caiu pra mim como uma perfeição. A gente precisa ouvir muito. É assim que pretendo agir, de uma forma pausada e com o travesseiro me servindo de sibila. Se eu errar, sei que é apenas como parte do percurso para acertar. No caso da Biblioteca Nacional, quero garantir que aquele acervo, além de ser preservado e exposto, tenha a mesma acessibilidade de padrão internacional que você encontra, por exemplo, na Biblioteca do Congresso, em Washington. Pensar a Biblioteca Nacional não como espaço imperial, mas um espaço de utilidade pública, que possa servir à população .

- Você se formou em direito no calor dos anos 60. Nessa época, já era de esquerda? Conhecia os baianos que iam arrasar depois no Rio e em SP?

- Eu convivia com eles todos. O Gil eu conheci ainda no Colégio Central, no clássico. Uma colega de classe, Vânia Bastos, fez uma reunião na casa dela e apareceu um garoto gorducho, tocando violão. Era o Gilberto Gil. Isso era em 1961, 62. Éramos uma esquerda marxista-existencialista, porque líamos Marx, Camus, Sartre e Merleau Ponty, quer dizer, essa encruzilhada de paradoxos. Assisti aos primeiros shows deles, da Bethânia, do Tom Zé. Era uma época de grande fermentação na Bahia.

- E a militância mais diretamente política?

- Participei do CPC baiano, com Geraldo Sarno, Capinan, Tom Zé. A gente levava as peças ou na Concha Acústica do Teatro Castro Alves de Salvador, ou nas favelas nascentes da cidade, como no Nordeste de Amaralina. Eu dava aula sobre Feuerbach de Marx, fazia palestras na faculdade de Medicina. Organizei também um centro de estudos chamado Antônio Gramsci, bem antes de Carlos Nelson Coutinho e Leandro Konder traduzirem Gramsci na capital.

- E depois de 1964?

- Em 1964, o corte foi o mais abrupto possível. Mas foi também nessa época que li Tremor e temor, de Kiekergaard, genial protestante existencialista que contava de repetidos ângulos a história de Abrahão, incumbido por Deus de matar Isaac. Um livro de perspectiva cinética. Fiquei com isso na cabeça. Em volta, as pessoas andavam assombradas, amedrontadas, perdidas. Comecei a olhar outros caminhos. Na vida, se a via fica estreita, você tem de descobrir como seguir. Busquei uma sofrida vereda: a de ultrapassar a província.

- E qual vereda foi essa?

- Decidi vir para o Rio de Janeiro. Era a época em que Caetano já estava explodindo com Alegria alegria e a gente ficava conversando, lendo Clarice Lispector, discutindo Guimarães Rosa, Cinema Novo. Depois Dedé e Caetano me convidaram para ir a SP, e acabei indo morar com eles na Rua São Luiz. Era o auge do tropicalismo, e vivi lá até eles serem presos. Depois ficava entre Rio e SP. Eu escrevia coisas que eu mostrava a todo mundo, mas que ninguém lia. Teve até um texto escrito no Carandiru chamado Apontamentos do Pav 2, que parece um hip hop avant la lettre. Ali representou um momento de deflagração da aventura de escrever. Foi ali que eu me concentrei e me liberei como escritor. Mostrei esse texto para diferentes pessoas, mas ninguém dava retorno. Aí é que entra a figura do Hélio Oiticica, que levou o texto a sério e que, por conta própria, sentou na prancheta e fez uma diagramação especialíssima para o texto, que mais tarde foi apreendida pela polícia, na casa de Rogério Duarte.

- Bem, 40 anos depois de uma história enviesada, com direito a prisões, repressão, milagres brasileiros, e à onda neoliberal, essa mesma geração que você estava descrevendo toma o poder, cantando o sonho como se tivesse sido apenas casualmente interrompida por alguns minutos. Como você vê essa mágica?

- No dia da posse, senti que era a primeira vez no Brasil que acontecia um tipo de posse tão alegre e diversificada. Ali estavam diferentes ângulos, picadas, perspectivas, possibilidades fecundas da cultura brasileira. Nunca acreditei em ''the dream is over''. Sinto-me mais próximo da frase de Shakespeare: ''Somos feitos do mesmo material de que são feitos os sonhos.'' O sonho não pode acabar.

- O sonho é uma metodologia desejável para o bom administrador?

- Eu sou de Virgem. Então muitas vezes a cabeça está nas nuvens e os pés no chão. Quando fui nomeado diretor da Fundação Gregório de Matos, de Salvador, trabalhei pesado. Na minha gestão eu me pautei antes de tudo por um modo de pensar desconfiado da relação do artista com o poder. E em algum tempo minhas habilidades administrativas e de flexibilidade política foram reconhecidas e fui designado Coordenador do carnaval da Bahia. Minha luta foi toda em cima de defender o carnaval não como um fato turístico e pitoresco, mas fundamentalmente como um fato cultural. Nasci e briguei muito na Bahia naquele momento para dar valor aos blocos afros que estavam nascendo, como o afro de Itapuã, Male Debale - esse nome ajudei a dar que significava a Revolução Islâmica do século 19 em Salvador. Ajudei o Olodum, ajudei o Ilê Ayê. Sabia que estava ajudando a representação da maior cidade negra fora da Africa, que é Salvador. Eu digo que tenho experiência administrativa porque o carnaval demandava 7 mil pessoas trabalhando diretamente sob meu comando, e eu chegava mais cedo do que todo mundo, enfrentando os pelegos do carnaval, que me chamavam de estrangeiro, não baiano. Mas fui provando não só que era de Jequié, mas que tinha muito conhecimento da cultura baiana, das populações mais pobres, da população negro-mestiça, intimidade nas festas e nas agruras dos pescadores, das feiras, com o candomblé.

- A idéia da leitura é fundamental. Mas fazer livro no Brasil é muito caro. É aventura economicamente quase inviável. A secretaria vai ter algum projeto nesse sentido?

- Eu já fui um pequeno editor, junto a minha mulher Marta. Tivemos a Editora Pedra Que Ronca. Lançamos o primeiro livro do Caetano, Alegria alegria, e outro livro chamado Baticum de Sônia Lins, a irmã da Ligia Clark. Aí tivemos que fechar. Hoje estou vendo com muito gosto a multiplicação de boas pequenas e médias editoras. Vai chegar o momento em que esse quadro de dificuldades vai ser superado. Vou trabalhar para isso.

- Qual seria o grande gol de sua gestão na secretaria?

- Penso agir com muita dedicação, sonho e catimba, que é uma palavra que vem da África. Sonho com um povo mais bem alimentado, letrado, gostando de livro, mas sem estar oprimido pela leitura. Sonho com o Brasil, nesta gestão Lula, assumindo sua face original e diversificada perante o mundo. O livro pode ajudar nisso. Minha meta é transformar o livro numa carta de alforria.

[01/FEV/2003]

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