Walkiria de Sousa

Canto do Descobrimento
                  
I
                  
Desperto, 
meio cega de brilho, 
do sonho,
e nem o papel tenho, 
para beijar,
molhar de lágrimas.

E a bateia dos meus olhos meninos,
de menina embora,
embora senhora,
menina,
escrutina,
garimpa fundo, 
o fundo desse poço,
o seu, seu moço,

onde busco em cada bateiada,
encontrar as gemas desse tesouro,
meu desconhecido, 
heresia! 
tão velho conhecido...
íntimo, diria sem pejo,
nem pena.

Sem pudor, 
que o calor
do rubor,
guardo, 
para cada sorvo,
deste néctar,
licor,
que me sacia a sede
de luz,
de cor,
de poesia..
Mais, me embriaga.

Um favor,
clemência!
Não é culpa minha, 
se conhecer não pude, antes,
o bordado que sua alma tece
nas telas da poesia.

Feitosa,
por que me faz assim,
por que me faz sentir,
feiosa?

Feitosa,
como assim enfeita,
como me rouba,
do peito,
o sentimento,
e o expõe,
sem pudor,
de forma tão perfeita?

Ladrão d’almas...
Bendito ladrão.
Bendito sejas.

Inocente...
se enganou,
não se pode roubar
o que se ganhou.

Dei, e tá dado.
De papel passado
Jurado e sacramentado.

Que entre almas assim 
o rastro da pena,
no papel, é tinta indelével
no cartório do coração.

 
(Numa quase lua plena, eu, Walkiria de Sousa, ser lunar, disse, e que assim conste nos anáis dessas terras empalmeiradas desses Cearás de nosso Nosso Senhor, no quinto dia deste ano da graça de 1998, ano primeiro depois de Soares, o Feitosa, que enfeita, em verso e prosa, o mundo, e a mim me emudece, lascera, mas inspira e consola.)
        Francisco
II
                                   
Corrente,
forte,
como o Velho,
o rio.
Arrasta,
lava,
nutre,
redime,
guia.

E outra vez,
o sertão se faz verde,
se enfeita,
menino,
para receber o seu.

Faz sulcos na terra,
abre suas entranhas,
a devassa,
a expõe.

E em dilacerando-a,
eis que a faz cantar,
ao seu passo,
apressado,
que o tempo foge,
é pouco para tanto.

E o rio na cheia,
transbordante, grita:
Vida!

E quando a enchente faz que acaba,
eis que no seu rastro surge,
ondas verdes de vida nova,
que se alimentam de sua seiva,
deixada às margens.

Velho rio,
rios,
Franciscos,
amores de velhas datas,
outros antanhos,
eras idas.
Vidas velhas,
como o rio,
como o rio,
incansáveis,
na busca de si mesmos,
nas entranhas da terra,
a mãe.

A aridez do meu peito,
virou um mar verde,
inundado em suas águas.
Batismo.
Do velho, 
o novo vem,
e da força dele,
de sua energia,
florescem caatingas e palmeirais,
e do fundo das gerais, 
eu.

                                      
                                                      Miami, madrugada de 06 de janeiro de 1998
                                      

[ ÍNDICE DO AUTOR ][ PÁGINA PRINCIPAL ]
 
 
 
 
 Página editada  por  Alisson de Castro,  Jornal de Poesia,  03  de Maio  de 1998