Clique aqui para conhecer o maior site de Poesias da Internet !!!
 Responsável:
 Soares Feitosa 
 Endereço postal 
 Em@il 
 
Novidades da semana
.
Página atualizada em 08.07.2000
.
Zuenir Ventura
Fora do eixo
in o Globo,
8/7/2000
Nas últimas semanas, fiz algumas viagens para cumprir compromissos profissionais: Porto Alegre, Juiz de Fora, Belo Horizonte. Visitar outras cidades, ainda que rapidamente - para palestras, seminários, lançamentos de livro - dá uma certa mão-de-obra, há a tensão do vôo, mas tem seu charme. Reclamo, prefiro não ir e, depois que vou, gosto, não tanto pelo que vejo, mas pelo que conheço de gente: pelas antigas e novas amizades. 

O perigo é acabar como os jogadores de futebol da velha história que, por ignorância e de tanto passarem correndo pelos lugares, só os identificavam pela lembrança de pequenas ocorrências pessoais: "aquele lugar onde fulano levou um tombo", "lá onde sicrano errou de quarto no hotel". E assim por diante. 

Não chego a tanto, mas quase. Me lembro, por exemplo, daquela cidade - qual o nome mesmo? - onde uma noite entrei num bar e tropecei com o Verissimo tocando sax. Se não me engano, é a mesma onde esbarrei com o Moacir Scliar andando na rua e onde, no dia seguinte, ao entrar numa van, encontrei já sentado um senhor de poucas palavras e de sobrenome Pozenato. Era o autor de "O quatrilho", o livro que deu origem ao filme. 

Só entendi tudo ao chegar ao Rio, quando descobri, por uma reportagem de Rachel Bertol, que eu estivera não numa cidade ou estado, mas numa espécie de usina literária, onde há cerca de 50 editoras e mais de uma dezena de escritores de fazer inveja aos de cá. A repórter chamou-os de "as vozes do Sul", prontas e com fôlego para romper as fronteiras regionais. 

Alguns, como Verissimo, Scliar e Lya Luft, já são nacionais ou até internacionais. Outros, ou são consagrados mas ainda não muito conhecidos pelas bandas de cá, ou são novos, mas com prêmios, boa crítica e leitores locais suficientes para mantê-los por lá. São nomes como Assis Brasil, Tabajara Ruas, Martha Medeiros, Paula Tatebaulm, Walmor Santos, Cíntia Moscovitch, Amílcar Bettega Barbosa, Altair Martins. 

Eles gostam de onde vivem, tanto quanto sua gente, cujo orgulho às vezes é confundido com arrogância e vocação separatista, quando se trata apenas de amor-próprio. 

Depois fui para aquela cidade onde se come o melhor pastel do mundo, embora seja famosa pelo pão de queijo, um produto que ela nem fabrica - fabricou foi uma república com o mesmo nome. Ali, a todo momento, parece que se vai esbarrar no topete de um ex-presidente. Esbarra-se na verdade no que se acredita ser a sala onde Rubem Fonseca aos 8 anos, iniciado pela babá, adquiriu o vício solitário do cinema. Ou no colégio em que Pedro Nava estudou. Será aqui o lugar onde Gabeira brincava de dar tiro? E a rua em que Affonso Romano declamava em voz alta seus primeiros poemas? E o espelho em que Leda Nagli treinava para ser estrela de televisão? (foi outro dia, a invenção já havia chegado lá). 

Para não parecer com aqueles jogadores, me informei mais e descobri que a cidade também é conhecida por ter sido a primeira no Brasil a ser iluminada por luz elétrica, além de possuir um respeitável museu, o Mariano Procópio, com o maior acervo de mobiliário do Império. 

Na mesma semana, revisitei uma velha conhecida de muitas topadas, até porque é a capital de um estado onde a cada esquina se tropeça na História. Acostumada a trabalhar em silêncio, ela agora tem tudo para ficar besta. Está cada vez mais falando com o mundo. 

Pergunto pelo Grupo Corpo e fico sabendo que está correndo a Europa; vou à festa de aniversário do Galpão e me dizem que dali a alguns dias o grupo vai para Londres encenar "Romeu e Julieta" na terra de Shakespeare. Do Sepultura nem se fala aqui, só lá fora. O Skank é hoje um dos grupos mais conhecidos na Europa. O projeto Sempre um Papo, de Afonso Borges, não é apenas um roteiro obrigatório dos escritores brasileiros, mas também estrangeiros. Saramago, já Prêmio Nobel, teve ali uma consagração que até ele considerou memorável. 

Angela Gutierrez, depois de deslumbrar o Petit Palais com os oratórios do museu que criou em Ouro Preto, prepara a montagem de outro, dos fazeres mineiros: a História contada através de ferramentas e utensílios de trabalho. Enquanto não acontece, ela vai ampliando sua coleção de Santanas. Já são mais de 150 imagens e dá vontade de admirá-las ajoelhado, de mãos postas. Daqui a pouco Paris as chama. 

Participo de um seminário e descubro a Rádio Favela. É comunitária, recebe 1.100 telefonemas por dia, existe há 24 anos numa região paupérrima, tem um site em três línguas e o seu diretor me informa que no dia em que Armínio Fraga foi nomeado diretor do Banco Central, o Wall Street Journal lhe dedicou quatro linhas e fez uma reportagem de meia página sobre a rádio. Decididamente, Belo Horizonte não é mais apenas aquela cidade onde comi torresmo e bebi a cachaça Milagre de Minas. 

E assim, viajando, a gente descobre que há vida inteligente fora do eixo Rio-São Paulo, ao contrário do que pensa nosso vão etnocentrismo, essa mania de achar que somos o centro do mundo e que as coisas só acontecem quando passam pelo nosso umbigo.