Clique aqui para conhecer o maior site de Poesias da Internet !!!
 Responsável:
 Soares Feitosa 
 Endereço postal 
 Em@il 
 
.
 
Novidades da semana
.
Página atualizada em 22.07.2000
.
 
 
Cynara Menezes
Ensaios e resenhas
  1. Manoel de Barros
  2. Machado de Assis
Início desta página


.
 

Cynara Menezes
O artista quando coisa

Cynara Menezes
Da Agência Folha

in jornal O Povo, 14.11.1998

O poeta mato-grossense Manoel de Barros, retorna com novo livro. Retrato do Artista Quando Coisa estará nas livrarias a partir de amanhã. Novamente a paisagem pantaneira e Bernrado, peão de sua fazenda há mais de meio século, aparecem como um dos elementos de destaque da sua obra.

A poesia do mato-grossense Manoel de Barros, 81, deve menos à exuberante paisagem pantaneira que à inveja confessa que sente do matuto Bernardo, peão de sua fazenda há mais de meio século. ``Bernardo é o que eu queria ser'', diz o poeta. A inveja que Manoel de Barros nutre por Bernardo é tão grande que muito do que há no novo livro do poeta, Retrato do Artista Quando Coisa, nas livrarias a partir de amanhã, é, na verdade, inspirado no peão. A "coisa" é Bernardo, não Manoel.

"Retrato do artista quando coisa: borboletas já trocam as árvores por mim", diz o poema que abre o livro. É puro Bernardo, encarnação viva do "bom selvagem" de Rousseau cuja inocência Manoel de Barros persegue como um tolo busca a sabedoria. Nos ombros de Bernardo, qual coisa que é, pousam insetos e passarinhos. Foi contratado pela família do poeta quando tinha 18 anos para cuidar de uma tia de Manoel, louca furiosa e mantida presa em um quarto com grades. "Quando ela viu Bernardo ficou mansa. Os puros têm uma inocência que transmitem aos loucos, aos bichos e aos poetas, também", diz o escritor. A nova obra de Manoel de Barros está repleta destes "puros" de espírito tão invejados - há, além de Bernardo, o índio guató Salustiano e os andarilhos Passo-Triste e Pote Cru, saudados pelo poeta como pastores que o guiarão até a inocência.

Uma busca que começou ainda nos anos 30. Nascido em Cuiabá em dezembro de 1916, aos 20 anos - bem antes, portanto, de beatniks e hippies aparecerem- Manoel enveredou por uma longa viagem que começou na Bolívia e terminou em Nova York.

Entre os índios bolivianos, ``fascinado'', permaneceu seis meses. A cultura dos museus e teatros seria o choque que viria depois, já em território norte-americano. O encontro dos dois mundos fortaleceu a admiração pelos clowns do cinema que persiste até hoje. ``Gosto de Chaplin, do Gordo e o Magro, dos Trapalhões, dos irmãos Marx'', diz Manoel. ``Todos os dias acordo às 5 da manhã, tomo guaraná - meu pai me viciou -, vou para o escritório e lá fico descascando palavras. Quando desço ao meio-dia, tomo um uísque (bebe álcool diariamente) e ligo a TV para ver o Chaves''.

O escritor, que, é preciso dizer, também possui um jeito clowniano à Groucho Marx, com seu bigode e cabelos brancos em desalinho, explica que usa o palhaço mexicano como um respiro. ``É para me livrar um pouco da literatura, que dá muita angústia''. Diz-se tímido, mas é simpático e bem-humorado. Conta que trabalha com lápis e borracha para apagar as ``besteiras'' quando aparecem. ``A borracha é minha salvação'', brinca. A mulher, Stella, companheira há 51 anos, é a primeira leitora e a maior crítica.

"Quando acho que já `pari', mostro para ela, que diz: `Não está bom ainda, vai trabalhar'. Isso umas três vezes. Quando ela diz que está bom, aí eu mando para a editora tranqüilo". Conheceram-se no balcão do escritório de advocacia onde Manoel estagiava. Ele fazia fichas. Ela deu o nome completo, endereço e telefone. Ele ligou na mesma noite. ``Foi um impulso irresistível. Existe amor à primeira vista. Ou melhor, intuição à primeira vista. Eu tive a intuição de que aquela era a mulher para mim''.

Já escrevia naquela época. Seu primeiro livro, Poemas Concebidos Sem Pecado, foi escrito aos 19. Ficou conhecido, porém, apenas a partir de 1980, quando Millôr Fernandes, autor das ilustrações da nova obra, recebeu um livro seu e o divulgou. Surgiram os rótulos: ``poeta ecológico'', ``surrealista'', ``primitivo''. O último é o menos rejeitado - até gosta. Ecológico é o pior para ele.

"Poesia para mim é linguagem, não paisagem", diz. "Dentro de mim existe um lastro que é o brejal. Misturo dicionários com o brejo, não faço nada mais que isso". Não só coloca o Pantanal como elemento (e não tema central) de sua obra, como diz adorar o Rio de Janeiro, cidade onde passou parte da infância e juventude. Sua frase predileta a esse respeito encerra a discussão: "Vivo no Pantanal, mas gosto mesmo é do Leblon".

Diz também não possuir inspiração, poemas que o acordem no meio da noite, mas, às vezes, vê surgir uma idéia, uma palavra. Se Drummond afirmava lutar com a palavra (``Lutar com palavras/é a luta mais sã''), Manoel de Barros mais propriamente ``bolina'' os vocábulos, como um amante desavergonhado.

"As palavras se oferecem no cio para mim. Tenho uma relação erótica com elas", diz. De tanto ``bolinar'', seu dicionário favorito, uma cinquentenária obra editada em Portugal em cinco volumes, está "desbeiçado", com a lombada torta das retiradas freqüentes da estante. O tempo para a ``bolinação'' diária foi obtido a duras penas, após anos de trabalho pesado na fazenda que herdou do pai, construindo cercas, levantando a casa, tratando do gado.

"Passei dez anos dependurado em bancos. Não dormia, não fazia versos. Isso tudo só para conquistar o ócio, a vagabundagem. Não sou Dostoievski, para escrever sob pressão. Construí meu ócio", conta. Trauma de juventude: morou no Rio de Janeiro na mesma pensão que Graciliano Ramos e ainda guarda a visão do escritor apertado com família e filhos em um quarto, escrevendo em um canto, o copo de pinga e muitas bitucas de cigarro à frente. ``Ainda não vivo de poesia, mas recebo meus chequinhos'', diz.

É cético quanto às traduções de sua obra - ``Não conseguem passar a solidão da gente'', diz - e, tão recente, a fama o incomoda. Entrevistas, só sem gravador. Mas quando fala dos prêmios que têm recebido, os olhos pequenos brilham de contentamento. Há pouco mais de uma semana, no Rio, recebeu o mais recente deles, pelo reconhecimento da obra, concedido pelo Ministério da Cultura. Então metamorfoseou-se de vez em Bernardo, com sua reação simples e sem vaidade, como o peão que embolsava os ganhos por uma cerca recém-erguida. ``Gosto de prêmios quando tem dinheiro. Quando não tem eu nem vou receber. Esse daí é bom, ``vinte e cincão' (R$25 mil). Descobriram que tenho uma obra''.
 
 

LIVROS DE MANOEL DE BARROS

* Poemas concebidos sem pecado - 1937 
* Face Imóvel - 1942 
* Poesias - 1956 
* Compêndio para uso dos pássaros - 1960 
* Gramática expositiva do chão - 1966 
* Matéria de poesia - 1970 
* Arranjos para assobio - 1980 
* Livro de pré-coisas - 1985 
* O guardador de águas - 1989 
* Poesia quase toda - 1990 
* Concerto a céu aberto para solos de ave - 1991 
* O livro das ignorãças - 1993 
* Livro sobre nada - 1996

Página inicial de Manoel de Barros
Início desta página

.

Cynara Menezes
LIVROS/LANÇAMENTOS

"CRISÁLIDAS"
Primeiros versos do escritor não saíam na íntegra desde 1864
Reedição traz poesia de Machado para leitor julgar
 

CYNARA MENEZES
ESPECIAL PARA 
Folha de São Paulo

O professor de literatura da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) Cláudio Murilo Leal avalia a obra poética de Machado de Assis, cuja reedição do primeiro volume supervisiona, com uma equação literária.

"Fernando Pessoa foi o maior poeta português e Machado o maior prosador brasileiro. Toda a prosa de Pessoa, que seria o equivalente à poesia de Machado, está sendo reeditada. Logo, o mínimo que um país civilizado pode fazer por seu maior escritor é reeditar seus poemas", diz.

Leal prepara sua tese de doutoramento, que será lida -excepcionalmente na Academia Brasileira de Letras (ABL)- em setembro, sobre a quase desconhecida poesia de Machado de Assis, muito mais apreciado como romancista e contista do que pelos seus versos.

"Crisálidas", o primeiro livro de poesias de Machado, publicado quando ele tinha 25 anos, volta pela primeira vez integral desde seu lançamento, em 1864. Em 1901, quando publicou suas "Poesias Completas", o escritor misturou ao conteúdo deste seus poemas posteriores, dos livros "Falenas" (1870), "Americanas" (1875) e "Ocidentais" (1880).

Machado de Assis também fez várias modificações na obra, talvez preocupado com a posteridade. Cortou 17 poemas de "Crisálidas" e o posfácio que escreveu, além de fazer mudanças em vários versos, das quais mais tarde se arrependeria em parte. Chegou a cortar a frase "Esta a glória que fica, eleva, honra e consola", dos "Versos a Corina", que se tornaria divisa da "sua" ABL.
Corina foi a primeira musa de Machado, antes de Carolina, sua mulher, com quem dividiria 35 anos de vida. Os versos que fez para ela ("A Carolina"), assim como seus outros poemas mais conhecidos, como "Soneto de Natal" ou "Círculo Vicioso", já são de "Ocidentais", sem reedição prevista -embora possam ser encontrados na edição dos "Melhores Poemas" (Global).

O próprio professor Cláudio Murilo Leal não acredita na equivalência entre o que escreveu o jovem Machado em forma de versos com a ficção que viria mais tarde, sobretudo após os 40 anos.

É nessa época que parte para Nova Friburgo em três meses de férias para se recuperar de uma rotina estafante de trabalho. Quando volta, dá uma guinada em sua carreira, com a publicação em capítulos de "Memórias Póstumas de Brás Cubas" (1880), e já não escreve mais poesias.

"Não acho que ele fosse tão bom poeta quanto contista ou romancista", diz Leal. "Mas Machado é reconhecido internacionalmente como um dos grandes autores do século 19, e este levantamento da obra poética é importante. 
Diziam que ele era um poeta sem emoção, e a reedição diminui um pouco esse preconceito", defende.


Os poemas de Machado, inseridos no contexto do romantismo (1836-1880), na verdade, não resistem mesmo é à comparação. É difícil crer que o autor da sutil sedutora Capitu pudesse ser tão pouco cativante em verso.
Mesmo sem nunca ter se engajado no romantismo, Machado parece atraído pelo ideário dos poetas de morte precoce que louvavam a espiritualidade e a juventude. Em "Lúcia", por exemplo, canta os 15 anos da mesma forma que o contemporâneo Casimiro de Abreu se debruçou sobre os 8: "Deixava entrar da primavera os bálsamos;/ A várzea estava erma e o vento mudo;/ Na embriaguez da cisma a sós estávamos/ E tínhamos quinze anos!".
Lygia Fagundes Telles, escrevendo sobre Machado de Assis, aposta que outro poeta, Carlos Drummond de Andrade, daria, em sua opinião, um excelente interlocutor para o autor de "Dom Casmurro".

Mas, se Drummond e Machado conversassem, apreciaria o primeiro a poesia do segundo? Que julgue o leitor -relançamentos também servem para isso.
 

Livro: Crisálidas Autor: Machado de Assis Editora: Nova Fronteira/UFRJ Quanto: a definir (115 págs.)

Página inicial de Machado
Início desta página